Na história da Humanidade tem havido ditaduras para todos os gostos. Umas mais autoritárias, outras mais laxistas; umas mais totalitárias, outras mais paternalistas, tudo dependendo dos protagonistas e dos respetivos contextos. Mas há algo que as ditaduras costumam ter em comum: a aversão pelos livros e pela sua livre disseminação entre os leitores. Este ano assinalam-se 50 anos de Democracia em Portugal, 50 anos do “dia inicial inteiro e limpo”, como lhe chamou a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen. E importa recordar que durante os 48 anos de vigência da ditadura, que a partir de 1933 assumiu o batismo de Estado Novo, os livros (e as leituras) estavam sujeitos à aprovação do regime.
Ao contrário do que acontecia com a Imprensa, a Televisão, o Cinema ou o Teatro, não existia Censura Prévia. Os livros também podiam ser censurados, mas geralmente só depois de estarem publicados. Não havia capacidade de examinar todos os projetos antecipadamente e se um livro fosse proibido depois de impresso, o prejuízo para a editora seria mais grave. Situação que levava muitos editores a praticarem a autocensura, temendo apreensões e multas que poderiam arruinar a sua atividade. Estima-se que a Direção de Serviços de Censura tenha examinado entre 7 e 10.000 originais, decidindo que alguns deles deveriam ser proibidos por “inconvenientes”. A censura aos livros acabou por ser exercida sempre de forma pouco consistente, dependendo, em grande parte, de denúncias, da “colaboração” de editores e livreiros, da intervenção da polícia política e da cumplicidade de entidades como os Correios ou a Guarda Fiscal.
Em paralelo, a PIDE vigiava de perto autores considerados subversivos e, a espaços, as autoridades agiam de forma mais musculada para prevenir a dissensão. Recorde-se a destruição das instalações da Sociedade Portuguesa de Escritores pela Legião Portuguesa, na sequência da atribuição do prémio SPE ao escritor angolano Luandino Vieira, então preso no Tarrafal. Na sequência do caso, a própria Sociedade seria extinta por ordem do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar.
Estávamos em 1965. Menos de dez anos depois, tudo mudaria. Acabavam-se as edições apreendidas, as perseguições, os processos em tribunal que visariam, por exemplo, autoras como Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, autoras das famosas Novas Cartas Portuguesas, ou a autora – e também editora – Natália Correia. Durante o período da ditadura, aplicou-se mão dura sobre autores e editores, fruto de um certo fervor ideológico que chegou a raiar a caricatura. Lembremos aqui a intervenção de Marques Teixeira, um deputado da situação que, em 1957, discursava na Assembleia da República apelando “à intensificação da ação policial” no controlo dos livros infantis e juvenis, lamentando “a nocividade de certas histórias chamadas de quadradinhos”, “a obscenidade das imagens de alguns livros” e a “febre das novelas policiais”, veículos para a delinquência e a difusão das “toxinas do comunismo internacional”. Afinal, dentro das ditaduras há também lugar ao ridículo.
Com o golpe militar de 25 de abril de 1974, que rapidamente se transformaria em Revolução, graças à adesão em massa da população, acabava-se a Censura. A partir daí, foi possível ter acesso a uma série de autores e livros proibidos, abrindo-se assim caminho à livre circulação de escritos, pensamentos e ideias. É nesse paradigma democrático que seguimos a atividade editorial que continua a ser um dos pilares da Cultura no país. Sendo este um ano de efeméride redonda, não podemos deixar de fazer sugestões bibliográficas relacionadas com a data que nos entregou de bandeja a Liberdade. Saibamos honrá-la. E lê-la, uma vez e outra.
6 sugestões de Liberdade em letra de forma
Companhia das Letras | Viton Araújo, Diego Torgo
Inspirados na técnica de blackout poetry, um coletivo de poetas e ilustradores liderado por Viton Araújo e Diego Tórgo aplicou o infame lápis azul sobre as palavras da Constituição fascista de 1933 até que dela se erguessem, apenas, poemas e ilustrações exaltando os valores de Abril:
humanidade,
liberdade,
justiça,
igualdade.
No ano em que se celebravam 48 anos sobre o 25 de Abril e em que os dias passados em democracia superavam, finalmente, os dias sofridos sob o jugo do fascismo, Reconstituição assumiu-se como um exercício de liberdade poética que celebra um sonho e constrói um futuro: o da liberdade.
Um projeto artístico e político que desconstrói a constituição fascista de 1933, distorcendo e subvertendo as suas palavras, imprimindo-lhe a mesma censura que o Estado Novo exerceu sobre as liberdades dos cidadãos portugueses, até restar apenas a mensagem de Abril.
Companhia das Letras | Hugo Gonçalves
Revolução acompanha a família Storm, do desmoronar do império ao despertar da democracia, ao longo dos rocambolescos, violentos e excessivos meses do PREC, quando a esperança e o medo dividem os portugueses, separando filhos e pais, colocando irmãos em lados opostos da barricada.
Um romance, a tempos trágico, a tempos cómico, sobre a liberdade e as relações familiares, sobre as escolhas que nos definem e as omissões que nos revelam. Nestas páginas, Hugo Gonçalves — autor nomeado para os prémios Oceanos, Fernando Namora e P.E.N. Clube — cruza os destinos de uma família com a cronologia desenfreada de um país à beira da guerra civil, pintando um fresco magistral de uma época irrepetível da nossa História.
Vogais | Daniel Ziblatt, Steven Levitsky
A presidência de Donald Trump, iniciada em 2016, veio levantar uma questão que muitos nunca pensaram colocar: a democracia norte-americana está em perigo? Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores em Harvard, dedicaram mais de 20 anos ao estudo da queda de democracias na Europa e na América Latina, e acreditam que a resposta para essa pergunta é «sim».
As democracias já não se desmoronam mediante uma revolução ou golpe de Estado, caem aos poucos, através do enfraquecimento das instituições fundamentais, como os tribunais e os órgãos de comunicação social, e do desgaste gradual de normas políticas de longa data. Mas nem tudo está perdido. O autoritarismo pode ser revertido. Um livro mais urgente que nunca.
Booksmile | Mafalda Ramirez Cordeiro, Rita Antunes
A política pode parecer coisa de adultos, mas está mais perto de ti do que imaginas. Na tua escola, por exemplo, e até na tua turma. E influencia o teu dia a dia, desde os teus professores, àquilo que comes na cantina, e até à matéria que aprendes nas aulas.
Neste livro, vais aprender o que é a política, como se formam governos, a importância do voto e como a tua participação na sociedade pode influenciar o teu futuro. Inclui ainda atividades e desafios para praticares aquilo que fores descobrindo com os teus amigos e família!
Um livro para aprender que a política é essencial para a cidadania participativa!
Lilliput | Ana Markl, Christina Casnellie
O que sabes sobre o 25 de Abril? Está bem, é feriado. Mas o que mudou na nossa vida e por que é que há pessoas a passear com cravos nesse dia? O curioso Manu está de volta e quer saber mais sobre este momento histórico, até porque planeia fazer a sua própria revolução. Mas, desta vez, precisa da ajuda de quem viveu esse tempo: a sua avó.
Junta-te ao Manu nesta viagem pela memória. Descobre, afinal, para que é que se fez o 25 de Abril. E não te esqueças de comer brócolos.
Nuvem de Letras | José Fanha
Palavra de autor: «Não quis fazer um livro de História. Quis antes falar desse período como quem conta uma história fantástica e complexa, heroica, divertida e contraditória, mas maravilhosa e verdadeira.»
José Fanha viveu o 25 de abril de 1974 com espanto, alegria e felicidade, como muitos outros jovens de então. Com o passar dos anos, percebeu que os jovens de hoje pouco sabem desses dias distantes. Resolveu então contar a história de como era Portugal antes da Revolução dos Cravos, como se desenrolaram os dias do 25 de abril e como surgiu o Movimento das Forças Armadas que o fez acontecer.