Bestseller do The New York Times, melhor livro da Amazon, Canções em Ursa Maior transporta-nos para o final dos anos 60 e leva-nos até à década de 70 envoltos em música e sol, o cenário para uma história de amor entre dois músicos, Jane Quinn e Jesse Reid. Mais do que isso, a obra de estreia de Emma Brodie coloca nos ombros da protagonista as barreiras que uma mulher tinha de ultrapassar naquela época – e que, provavelmente, ainda se mantêm.
Ao mesmo tempo que escrevia Canções em Ursa Maior, Emma Brodie mantinha o emprego numa editora e estava a planear o próprio casamento. Terminar o livro parecia-lhe tarefa impossível. O agora marido dizia-lhe então: “Só te faltam dois capítulos”.
A obra vai ser transformada em filme e a autora até já tem uma atriz em mente para o papel de Jane. Até esse projeto se concretizar, Emma Brodie contou à Penguin Magazine como é que uma música e a perspetiva que teve dela mudou toda a história e como seria hoje a protagonista de Canções em Ursa Maior.
A canção You can close your eyes, de James Taylor, foi a primeira pedra neste projeto. Porquê?
Eu adorava a canção, conhecia-a desde sempre. Era uma das mais conhecidas do James Taylor, – ele faz duetos com toda a gente, da Carole King ao Stephen Colbert. Eu pensava que ele a tinha escrito sobre a Carly Simon [com quem o cantor esteve casado de 1972 a 1983] e, quando comecei a fazer pesquisa para este livro, fiquei de queixo caído ao descobrir que, afinal, a canção era sobre a Joni Mitchell. Podemos todos conhecer o tema e não saber realmente sobre quem foi escrito, apesar de estar ali à vista de todos. Isso inspirou-me porque levanta tantas questões: quantas outras coisas serão assim? Fiquei fascinada ao perceber detalhes da relação deles.
Mas Canções em Ursa Maior começou por ser uma narrativa muito diferente. A história inicial era sobre uma família, certo?
Tinha tido a ideia de uma família matriarcal que vivia numa ilha, eram auto-suficientes numa época em que isso não era assim tão comum. Adorava a ideia de uma rapariga a ser criada pela avó e por uma tia, todas a terem de lutar pelas respetivas independências apesar de terem a casa delas, que era um lugar seguro. Sabia que queria isso e que queria ter alguma ligação ao mundo da música, só não sabia se seria através do padrasto ou de que outra forma incluiria isso. Comecei a pesquisar a Carly Simon e o James Taylor porque vivo em Martha’s Vineyard [uma ilha no estado norte-americano do Massachussetts] e eles são muito conhecidos aqui. A história e a aura estão muito presentes. Estava a pesquisar sobre a relação deles e nada da Carly Simon se encaixava realmente na família que eu estava a criar. Não era que sentisse necessidade de fazer uma réplica exata de uma família real, mas ajuda quando conseguimos relacionar com acontecimentos verídicos, acho que torna as coisas mais realistas para o leitor. A Jane, a personagem principal, não é a Carly Simon e não é mesmo nada a Joni Mitchell, que cresceu nas planícies canadianas, era filha única. Nas entrevistas que li dela percebi que cresceu de forma muito independente dos pais. Porém, ela é muito criativa e houve coisas sobre a família dela que me pareceram mais apelativas, enquanto a Carly vem de um legado de brilhantismo artístico.
«Muitas mulheres ainda enfrentam o preconceito de não serem tratadas ao mesmo nível dos criadores masculinos. Muitas pessoas continuam a ser muito condescendentes. A diferença é que, na altura, isso era socialmente aceitável.»
A história passa-se no final dos anos 60 e na década de 70. Muito mudou para as mulheres na indústria da música, mas houve muita coisa que também não mudou. Que lutas é que acha que são diferentes agora e que lutas, apesar desta diferença de tantos anos, se mantêm?
Que boa pergunta. Acho que o maior avanço é a visibilidade, graças às redes sociais. Há muitas formas de nos expressarmos e de nos fazermos ouvir. Por exemplo, a Taylor Swift pode ter um momento e falar sobre o Scooter Braun numa cerimónia de prémios [a cantora abordou uma polémica antiga sobre apropriação de direitos]. Podemos saber o que se passa praticamente em tempo real. No passado, teria sido pegado por apenas alguns meios de comunicação, essencialmente geridos por homens, e existiria sempre aquele sentimento de nos cortarem as pernas, que é o que acontece mais tarde à Jane no livro. A situação dela é basicamente: joga pelas regras que há ou então não jogas sequer. E isso, infelizmente, ainda se mantém. Muito do livro é sobre imagem e sobre – e agora vou usar um termo muito millennial – as expetativas da editora com que os artistas trabalham. Acho que isso ainda é muito atual. Não vemos muitos músicos a saírem do molde, não há assim tantas histórias de reinvenções de sucesso. Continua a haver o fenómeno das editoras capitalistas, a lucrarem com os artistas e a colocarem-nos de lado, o que corresponde mais à trajetória do Jesse no livro. O que achei mais interessante ao escrever sobre a indústria da música ou sobre a indústria corporativa, se quisermos generalizar, dos anos 70 é que o que era pré-definido continua a manter-se. Muitas mulheres ainda enfrentam o preconceito de não serem tratadas ao mesmo nível dos criadores masculinos. Muitas pessoas continuam a ser muito condescendentes. A diferença é que, na altura, isso era socialmente aceitável. Agora é mais disfarçado. Muitas pessoas sentiram-se tocadas pelo livro porque pensaram: “Ó meu Deus, eu senti isto, embora nunca tenha sido explicitamente dito da forma como algumas coisas foram ditas à Jane”.
Que tipo de artista e mulher seria a Jane se vivesse em 2022?
Isso é uma boa pergunta, tenho de pensar. Penso que seria uma espécie de queridinha da música folk, como a Sarah Jarosz, a acumular Grammys e Óscares – quer dizer, espero que a Sarah Jarosz ganhe um Óscar – ou, se fosse mais ao estilo da Joni, tentaria reinventar-se aqui e ali em vez de ficar presa a um único estilo. Acho que também seria possível que se envolvesse noutras áreas. Costumo dizer que a imagino como uma produtora badass. Como uma mulher mais velha movimentar-se-ia nos bastidores, em vez de estar sempre em palco.
Qual foi a coisa mais fascinante que descobriu dessa época?
Muito do livro foi escrito baseado no que os meus pais me contavam e das suas experiências. Houve pequenos detalhes: tive de ir pesquisar que cereais existiam na altura, o que se comia ao pequeno-almoço, que artistas eram rivais. É uma época fascinante. Sinto que, neste momento, estamos a ver muitos documentários sobre essa fase. Há filmagens e podemos absorver tanto visualmente. Achei a época muito acessível porque pude ver filmagens de concertos da Joni e sentir como era o ambiente entre o público, além da energia dos artistas. Apesar de isto ser ficção histórica, e estou a fazer aspas com os dedos, muitos leitores disseram-me: “Isto foi a minha vida, não acredito que estou a ler sobre isto”. Como podemos ver imagens apenas ao carregar no play, parece que tudo se pode tornar um bocadinho real e nosso, de uma forma que aquilo que só conseguimos ler nunca será.
«A Elle Fanning seria uma fantástica Jane, adorei-a na série ‘The Great’.»
“Corações em Ursa Maior” vai ser transformado em filme. Como está o processo?
Temos o argumento e estamos à espera que a roda da sorte de Hollywood comece a rodar.
Tem uma Jane e um Jesse em mente?
Sinceramente, acho que a Elle Fanning seria uma fantástica Jane, adorei-a na série “The Great”. Para o Jesse, gostava que fosse um ator desconhecido. Gosto da ideia de ter uma Jane bastante mediática e um Jesse que se tornasse revelação.
E para a Emma Brodie, o que se segue?
Ainda não posso falar muito sobre isso, mas tenho o rascunho de um novo livro. Estou naquela fase em que tenho realmente de me comprometer para o terminar. Estou no ponto em que só eu o li e penso: bom, se for terrível, posso simplesmente deitá-lo fora. É um equilíbrio, temos de decidir quando queremos realmente arregaçar as mangas e fazer a coisa acontecer. Lembro-me de, ao ler a primeira versão de “Canções em Ursa Maior” pensar: ok, ainda não é bem isto, mas sei que consigo melhorar. Isso foi um momento empolgante porque sabermos por onde é o caminho é metade da batalha ganha. Portanto, veremos o que acontece com o livro número dois.
Com “Canções em Ursa Maior” teve algum momento em que pensou que o livro nunca ia acontecer?
Provavelmente todos os dias em que estava a reescrevê-lo. Tenho um trabalho a tempo inteiro numa editora, estava a organizar o meu casamento, estava a acontecer muita coisa e estava a trabalhar neste livro entre cinco e sete horas por dia.
Como? Não dormia?
Mais ou menos isso, sim. Esvaziei por completo o meu calendário social. Acho que, no fundo, sabia que a Covid-19 estava a chegar. Sabe quando os pássaros começam todos a voar numa direção quando se aproxima uma tempestade? Parece que pressenti qualquer coisa e sabia que tinha de acabar o projeto. Tinha um calendário muito rígido. Lembro-me de todos os dias dizer ao meu marido: acho que não consigo mais, não consigo aguentar mais um dia assim. Ele dizia que só me faltavam dois capítulos. Acho que tenho de rever o meu processo um bocadinho. Posso estar a escrever durante 20 minutos e ficar drenada o resto do dia. É fascinante descobrir como tudo isto funciona e como ter uma vida à volta. Estou a aprender.