Quando se pensa em clássicos da literatura, pode incorrer-se no erro de imaginar volumes pesados e sonolentos, alinhados em estantes inacessíveis, a ganhar pó em bibliotecas bafientas. Nada mais distante da experiência que a grande literatura tem para nos proporcionar, em qualquer fase da vida.
Surgida no pós-guerra, em 1946, a icónica coleção Penguin Classics nasceu com o propósito de disponibilizar os grandes textos da literatura mundial em edições de bolso, cuidadas mas acessíveis. A democratização no acesso aos textos, e uma certa dessacralização da obra literária, estão na génese desta marca que se tornou mundialmente famosa e reconhecível pelo design elegante e sóbrio e por uma estética que ditou tendências na área da edição.
Em 2021, 75 anos após o nascimento da coleção no Reino Unido, a Penguin Clássicos chegou a Portugal, estreando-se com a publicação de sete títulos. Eça de Queirós e Cesário Verde, entre os portugueses, tiveram honras de abertura do catálogo. A estes nomes maiores das nossas letras – mestres, respetivamente, do romance e da poesia – juntaram-se (e aqui usamos a ordem cronológica de nascimento) Rosseau, Lima Barreto, Virginia Woolf, Kafka e George Orwell, este nascido já no século XX.
Um catálogo diverso
Neste momento são 12 as obras disponíveis no catálogo. Uma seleção ainda curta para a grandeza da literatura, mas que abarca já todos os géneros, incluindo o teatro. Shakespeare. Camilo Castelo Branco, Oscar Wilde, Maquiavel e Júlia Lopes de Almeida completam a lista dos primeiros. E muitos mais virão. A diversidade é um dos objetivos, denotando uma visão eclética e abrangente.
«Para os próximos títulos dos Penguin Clássicos, podemos esperar continuidade. Insistimos na diversidade de géneros literários, de línguas originais, de temáticas, de autores. Cada clássico é-o por razões muito distintas, mas une-os o poder disruptivo que exerceram aquando da sua publicação original, a surpresa que causaram na época em que foram escritos, a originalidade que ainda hoje lhes reconhecemos, independentemente dos anos ou séculos que tenham passado. São esses os valores que os Penguin Clássicos exaltam e a que, cremos, todos devem ter acesso», explica Eurídice Gomes, responsável editorial.
Neste momento há 12 títulos na coleção – e muitos mais virão. A diversidade é um dos objetivos.
Para lá da icónica imagem da coleção, o que distingue estas edições de outras disponíveis no mercado? Desde logo, traduções irrepreensíveis e um apurado trabalho de edição e revisão. Mas também as introduções e prefácios que enquadram e contextualizam as obras e os autores. Se é certo que cada um destes textos fundamentais vale por si, não é menos correto afirmar que, guiados por alguém capaz de iluminar ou desvendar aspetos menos claros, sairemos enriquecidos da leitura.
«Sendo verdade que um dos maiores valores de um grande clássico da literatura é poder ser lido por qualquer pessoa em qualquer momento da sua vida ou da vida do mundo, não é menos verdade que partir para uma tal leitura com alguma contextualização pode enriquecer essa experiência e contribuir para uma melhor compreensão da obra. Essa tarefa de introdução à leitura de cada clássico deixámo-la a cargo de especialistas nas obras em questão, personalidades da nossa academia e sociedade com estudos feitos sobre os textos que prefaciam e com a capacidade de traduzir, para o leitor comum, a complexidade que esses mesmos textos encerram. É um trabalho difícil, mas extremamente útil e recompensador», diz Eurídice Gomes.
Assim, Rousseau é introduzido por Francisco Louçã, enquanto Paulo Portas ajuda a decifrar Maquiavel para os leitores de hoje. A prosa de Abel Barros Batista abre o apetite para Camilo Castelo Branco. E em Otelo, tragédia maior, Daniel Jonas, tradutor e poeta, assume o duplo papel de tradutor e prefaciador.
Obras de teor político ou filosófico poderão encontrar alguma resistência por parte do público mais jovem, mas a verdade é que há grande vantagem em ler os grandes clássicos na juventude. E em voltar a eles mais tarde, na maturidade ou na velhice, para comprovar que o texto não envelheceu um dia sequer.
Rosseau é introduzido por Francisco Louçã, Paulo Portas ajuda a decifrar Maquiavel e a prosa de Abel Barros Batista abre o apetite para Camilo Castelo Branco.
Eurídice Gomes é categórica. «Qualquer título da coleção Penguin Clássicos pode – e deve – ser lido na juventude. Falamos de grandes clássicos da literatura mundial, de todas as latitudes, que entraram para o cânone e perduraram no imaginário coletivo pela sua capacidade de falar com várias gerações, pelo caráter universal da sua mensagem e pela intemporalidade da sua estética. São livros de formação, todos eles, e a capacidade de serem apreciados não depende tanto da idade do leitor como da sua abertura para novas ideias, novos mundos, novas perspetivas.»
Desafiámos, contudo, a responsável editorial a fazer algumas recomendações:
Uma leitura fácil: A Quinta dos Animais, de George Orwel;
Para leitores experimentados: Otelo, de William Shakespeare;
Autores que merecem ser descobertos: Lima Barreto (1881-1922) e Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), dois autores brasileiros que o público português pode agora conhecer, respetivamente, através das obras Triste fim de Policarpo Quaresma e A Falência;
Um clássico para reler muitas vezes: Os Maias, obra-prima a que a refinada ironia e sentido crítico nos fazem voltar sempre.
Curiosamente, um dos títulos mais populares da coleção não é nenhum destes, mas sim o ensaio feminista de Virginia Woolf, Um Quarto Só Seu, numa edição prefaciada pela poetisa Ana Luísa Amaral. A análise de Woolf acerca da liberdade e da autonomia da mulher está bem patente no facto de o cânone ser maioritariamente masculino. Uma tendência que o catálogo Penguin Clássicos procurará também contrariar, dando a conhecer ao público português escritoras injustamente pouco conhecidas ou esquecidas.