Na política, na sociedade, na economia, no poder, nas administrações, na história, na história da arte: afinal, onde estão as mulheres? Sendo, mais coisa menos coisa, metade da população humana desde o momento em que os primeiros humanoides deixaram África para se espalharem pelos cinco continentes, algumas ilhas e territórios adjacentes, as mulheres têm tido um papel discreto. Não necessariamente de moto próprio. E nas artes, a falha grita mais alto, pois temos muitas mulheres-objetos – musas, modelos, inspirações – e quase nenhumas mulheres-sujeito. Afinal, cara leitora, caro leitor, quantas mulheres artistas conhece? Puxando a fita atrás, quem faz a História da Arte? Havia mulheres a fazer Arte antes do século XX? Supomos bem que sim, embora nos custe enumerá-las. Afinal, quem foram as pioneiras que abriram caminho para as criadoras de hoje? Quantas mulheres integram as coleções permanentes dos grandes museus? (não precisa de tentar responder, isto não é um teste. É uma constatação, cheia de perguntas retóricas, num lugar que deveria estar cheio de mulheres). Pois bem alavancando a curiosidade no mundo da criação plástica, e abraçando o conceito que dita “menino não entra”, avançámos para a publicação do clássico instantâneo A História da Arte Sem Homens, com o propósito de publicar uma obra de referência que ajuda a estreitar um fosso de género que insiste em manter águas fétidas que excluem, crocodilos preconceituosos e muitas – muitas – ideias feitas. E nada melhor do que começar com as palavras de uma autora inquieta.
O Livro
Em outubro de 2015, entrei numa feira de arte e percebi que, entre os milhares de obras diante de mim, nenhuma era de uma mulher. Isso levantou uma série de perguntas: seria eu capaz de me lembrar, assim de repente, dos nomes de 20 artistas do género feminino? De 20 anteriores a 1950? De uma que fosse, anterior a 1850? A resposta era não. Teria eu, no fundo, sempre visto a História da Arte de uma perspetiva masculina? A resposta era sim.
É assim que arranca esta História, nas palavras de uma autora que não se conforma. Por alguma razão (algumas razões), todos já ouvimos falar de Caravaggio, Leonardo ou Van Gogh e nunca ouvimos falar de Anguissola, Fontana ou Sirani (calma, não parta já para a pesquisa Google). A verdade é que o chamado cânone da Arte, à semelhança do que acontece com os cânones da Literatura ou do Cinema ou até das séries de televisão, estas consolidadas em pleno século XXI e sem mulheres que cheguem, e sim, é preciso contá-las, dizíamos, esse cânone que fixa importâncias e louvores está inclinado. E tem muito a ganhar se for, pelo menos, discutido. Posto em perspetiva. Não se trata de atirar para o caixote do lixo da História as conversões de São Paulo, as Giocondas ou os girassóis da Europa do Norte. Trata-se, sim, de abrir espaço para outras pessoas, outras criadoras, entretanto apagadas, de forma mais ou menos dolosa. E pensa o leitor mais desconfiado, “mas agora só se pode falar em mulheres?” Não. Mas também. Vamos a números, extraídos desta volume que, já agora, apresenta um cuidado editorial de extremo bom gosto, entre capa, cartonagem, paginação do miolo, pertinência intelectual: à data da edição original deste livro, as artistas mulheres perfaziam apenas um por cento da coleção da National Gallery de Londres – aquela mesmo, em Trafalgar Square, com um homem no topo da coluna – instituição que fez a sua primeira grande exposição a solo de sempre de uma artista mulher, Artesimia Gentileschi, em 2020. Vamos pôr por extenso: dois mil e vinte. E depois admiramo-nos que a Judite de Artemisia se atreva a cortar a cabeça de Holofernes com tanto empenho. Outro dado: em 2023, a Royal Academy of Arts de Londres acolheu pela primeira vez uma exposição a solo de uma artista mulher no seu espaço principal. Cortesia de Marina Abramovic, artista e performer sérvia. And so on, and so on, como dizem os britânicos que, como vemos, também têm culpas no cartório.
Por isso, é pertinente publicar hoje esta História da Arte Sem Homens. Porque importa dar visibilidade a artistas tantas vezes excluídas dos livros e cursos de História. “Não é que acredite que haja algo de inerentemente «diferente» na obra de artistas de qualquer género; é mais que a sociedade e as pessoas e instituições que controlam o acesso sempre deram prioridade a um grupo, ao longo da História”, palavras de Katy Hessel, autora de um dos livros recentes que vem desafiar o que está estabelecido. As Giocondas importam. Mas, definitivamente, têm algo mais a mostrar do que sorrisos comprometidos.