Investigadora, jornalista, docente universitária e encenadora, doutorada na área do Teatro e radialista, especialista na Lisboa da Belle Époque… e Voz da Feira do Livro. Há décadas. E há milhares de eventos.
Paula Magalhães é isto tudo que descrevemos acima. Natural do Barreiro, e nascida em 1971, Paula tem uma ocupação sazonal que a tornou parte da identidade da cidade de Lisboa e de um dos eventos culturais que mais a marcam – a Feira do Livro. Ou pelo menos assim o entendemos. Tem a palavra a Voz: “Da identidade não sei, mas sinto que faço parte da Feira. Ninguém me conhece, mas sempre que digo que costumo fazer o som da feira, que sou uma das vozes que faz a divulgação das atividades, toda a gente a identifica.” Não é caso para menos. Paula assume esta tarefa há mais de duas décadas ininterruptas, partilhando o microfone com José Barata, camarada de profissão que a convidou, e com algumas outras pessoas que têm colaborado num evento cuja escala é cada vez maior. Logo, com cada vez mais eventos, numa agenda saturada de solicitações para autores, editores, leitores e gargantas profissionais, como é o caso.
O Percurso da Voz
Avançámos para este perfil às cegas, sem sabermos exatamente com quem nos iríamos deparar (e não, nunca nos cruzámos com Paula); uma mensagem na aplicação Teams entregou-nos de bandeja o seu número de telemóvel, e do outro lado lá estava A Voz da Feira. Paula Magalhães tem um currículo extenso e variado, além de uma profundíssima ligação ao Teatro. “Sou investigadora do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e professora do Programa de Mestrado em Estudos de Teatro, da mesma faculdade.” E além de doutorada e mestre em Estudos de Teatro, é licenciada em Ciências da Comunicação, FCSH/NOVA. Para além disso, “nos últimos anos integrei as comissões de acompanhamento e avaliação da DGArtes para a área do Teatro”. Também é formadora e encenadora da ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro, há mais de 30 anos. Com este perfil é fácil deduzir que as leituras na sua área de especialidade lhe consomem a maior parte do tempo, deixando ainda um espaço para clássicos como Eça de Queirós e Dostoiévski, autores que fazem parte da sua gama de eleitos.
Em complemento às artes de palco, Paula trabalhou durante mais de 20 anos em rádio, no papel de jornalista: Radar, Voz de Almada, Sul e Sueste. Mas a dado momento, teve de fazer uma escolha. Após 21 anos de éter, Paula trocou então o estúdio de rádio pela área da investigação em Teatro a tempo inteiro, sem nunca deixar, no entanto, de dar uso à voz. Nas aulas, na encenação, na formação. E na Feira do Livro, o grande pretexto para este encontro. Quisemos saber há quanto tempo a ouvimos naquele lugar. “Confesso que já perdi a conta mas seguramente, pelo menos, há uns 25 anos”. O convite foi feito por um então colega e amigo da rádio Voz de Almada, José Barata, que à época já tinha a concessão do som da Feira. “Fiquei muito feliz com o convite porque era uma frequentadora assídua da Feira do Livro e uma compradora compulsiva de livros.”
A Feira do Livro, que é como quem diz, a Feira de Paula
Paula Magalhães é A Voz da Feira do Livro de Lisboa há muito, muito tempo. Razão pela qual se confunde com a mesma, tendo uma presença tão forte como as sessões de autógrafos, os descontos especiais e as irresistíveis farturas. Ela própria tem livros publicados: Belle Époque – A Lisboa de Finais do Século XIX e Início do Século XX ou Os Loucos Anos 20: Diário da Lisboa Boémia, mas em contexto de Feira o seu papel é dar espaço aos outros autores. E com a mesma medida de importância, o que faz com que não consigamos arrancar-lhe nomes que gostasse especialmente de anunciar aos microfones do evento. “Já divulguei o nome de muitos grandes autores nacionais e internacionais, alguns infelizmente já desaparecidos. Sinto, no entanto, que o meu papel é divulgar todos os nomes e todas as iniciativas de igual forma, dando a todos o mesmo destaque e o mesmo tempo de divulgação. Sou jornalista de formação e sinto que o meu dever enquanto tal é olhar para todos – os conhecidos e os menos conhecidos – de igual forma. Dar a todos o mesmo espaço.” O que é facto é que 25 anos, ou mais, são anos suficientes para ter anunciado grandes figuras das Letras, desde o tempo em que os autores estavam menos presentes na Feira do Livro – apesar da participação de nomes como José Saramago, Agustina Bessa-Luís ou António Lobo Antunes, até aos dias de hoje, em que podemos cruzar-nos com centenas e centenas de escritores, ilustradores e outros criadores associados a um setor cada vez mais dinâmico, num evento com cada vez mais público. E eventos dentro do evento. “Atualmente a maior dificuldade está relacionada com a organização que temos de fazer da informação que nos chega, sobretudo aos fins-de-semana e feriados, em que as iniciativas se multiplicam. Nesses dias, falo quase ininterruptamente entre as 15h00 e as 19h00, horário durante o qual muita coisa (felizmente) acontece na Feira.” É preciso muito traquejo e uma faringe incansável. Quando Paula começou, as iniciativas cabiam num pequeno folheto impresso antes de a Feira do Livro arrancar; hoje, além da divulgação digital massiva feita pelos editores, há até uma app da organização que se pode descarregar para os telemóveis, forma de se conseguir acompanhar tudo o que acontece. Ou pelo menos tentar.
Outra das mudanças tem a ver com o grau de exposição das vozes da Feira. No início, os locutores estavam instalados no chamado pavilhão do Livro do Dia, mais expostos e à vista de toda a gente. Resultado: questões em modo atropelo, no momento em que se anunciavam iniciativas. “O pior era quando as perguntas surgiam enquanto falávamos ao microfone. Pedíamos desculpa porque estávamos a falar, mas por vezes insistiam sem perceber (apesar de estarmos com um microfone na mão e a falar), que estávamos a fazer divulgação para toda a Feira.” Uma espécie de photo bombing involuntário. E avant la lettre. Hoje em dia, as condições de trabalho mudaram. Agora tudo acontece num pavilhão fechado. “Estamos resguardados do calor e do frio e também da agitação, o que nos permite ter uma maior tranquilidade na divulgação das atividades da feira, embora os fins-de-semana e os feriados continuem a ser bastante agitados. Há uns anos sim, os visitantes podiam ver-nos.” Agora, só podem escutá-los. E imaginar quem será e como será A Voz da Feira do Livro de Lisboa. Aqui, como nas melhores narrativas, limitámo-nos a levantar a ponta do véu.