Adélia Carvalho: «Estas histórias foram pensadas em comunidade e para a comunidade»

Escritora, educadora, mediadora de leitura, livreira, dinamizadora de festivais literários, nascida em Penafiel e com livraria aberta no centro do Porto, Adélia Carvalho publica na Nuvem de Letras um novo volume de contos tradicionais. Com ilustrações de Anabela Dias, O gato, o coelho e outros contos tradicionais reúne, em 80 páginas, 11 contos selecionados do vasto baú das histórias populares. De onde estes vieram, há muitos mais a resgatar e reinventar para as novas gerações. Adélia Carvalho está entre os sete nomeados portugueses para o prémio literário Astrid Lindgren 2025.

 

 

Como nasceu esta recolha de contos tradicionais?
Nasceram de um desafio lançado pela editora da Nuvem de Letras. Ela transmitiu-me que fazia falta no catálogo da chancela um volume de contos tradicionais portugueses, numa edição atual, para dar a conhecer às crianças de hoje este tipo de histórias.

Qual a importância de dar a conhecer às crianças as histórias da tradição oral?
A importância está intimamente ligada à questão de não perdermos uma memória coletiva das nossas histórias da tradição oral, que ajudaram a crescer gerações e gerações de crianças.


Lembras-te de te contarem ou de leres contos tradicionais na tua infância? De que forma foram importantes para ti e/ou para a tua escrita? Qual era o teu favorito (ou os teus favoritos) e porquê?
Lembro-me essencialmente do meu avô Francisco que era um grande contador de histórias. Adorava particularmente o conto Corre, corre cabacinha, uma história fantástica de uma velha que conseguiu enganar um lobo, adorava a esperteza da velha no final. Esta história ajudou-me a vencer o medo e a perceber que, em momentos de aflição, devemos sempre encontrar uma solução. Mais tarde, mostrou-me também a importância da linguagem do humor e do nonsense na construção das narrativas.


Consideras que existe uma relação entre os contos tradicionais e o sentimento de união e/ou pertença (a uma família, a uma comunidade, a um lugar, a uma história)?
Sim, pois são histórias que foram pensadas em comunidade e para a comunidade. São histórias que foram criadas numa época em que não existia televisão, computadores… existia o momento familiar de contarem histórias uns aos outros, e por muitos anos que tenham passado elas ainda carregam essa memória afetiva.

Os contos foram reinventados de que forma? Podes falar-nos um pouco sobre esse processo?
Foram reinventados de forma a dar-lhes outro ritmo através da introdução de algum humor de linguagem com algumas repetições, rimas… a retirar alguns arcaísmos e regionalismos desnecessários. Assim como a eliminação de algumas palavras que já não fazem parte do nosso dicionário.

 

Também referes na introdução que houve a necessidade de «proceder a algumas adaptações» por questões éticas. Podes dar exemplos?
Estes contos são todos muito datados, e por isso alguns remetiam para questões que atualmente não são toleradas como a violência doméstica («ela obedeceu piamente ao marido e não lhe respondeu com medo de que ele lhe batesse», violência contra animais («bateu tanto no cão que ele nunca mais se levantou», racismo («encontrou um preto muito feio»), entre outras.

 

Como foi a relação e o processo de trabalho com a ilustradora, a Anabela Dias?
Foi sempre muito bom. Um processo de partilha de ideias, mas sempre com muito respeito pelo trabalho criativo uma da outra.

 

Como pensas trabalhar estes contos tradicionais nas escolas?
Contando as histórias e falar de algumas memórias que tenho delas, falar também da importância da família e principalmente dos avôs que ainda guardam memórias de alguns destes contos.
 

Podemos esperar mais volumes de contos ou outras recolhas da tradição popular?
Sim, acho que podem esperar, ainda existem muitas histórias na fila que querem entrar. O trabalho de recolha foi muito bom, revivi a minha infância e aprendi algumas estratégias de escrita que usavam na arte de contar. Por isso espero repetir!

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