Clarice Lispector na Companhia das Letras em 2025

Figura maior da literatura lusófona contemporânea, Clarice Lispector faria hoje 104 anos. Celebrando a mais icónica, disruptiva, reverenciada e ousada escritora brasileira do século XX, a Companhia das Letras anuncia a publicação da sua obra completa, a começar no dia 20 de janeiro, por quatro romances centrais: A paixão segundo G.H., Água viva, Um sopro de vida e Perto do coração selvagem. Ainda no próximo ano, será publicado um livro inédito em Portugal, que reúne crónicas e outros textos: Para não esquecer.

Seguir-se-ão, em anos vindouros, os restantes romances, assim como vários volumes de contos, crónicas, cartas e uma antologia de textos para a infância.

Estas novas edições contam com a colaboração de Carlos Mendes de Sousa, autor do posfácio e do texto de apresentação de A paixão segundo G.H., e, ainda, de Joana Matos Frias, Pedro Mexia e Susana Moreira Marques, autores dos textos de apresentação de, respetivamente, Água viva, Perto do coração selvagem e Um sopro de vida.

Para a Companhia das Letras, a publicação da obra de Clarice Lispector representa, nas palavras das editoras Clara Capitão e Madalena Alfaia, um marco assinalável na história da chancela em Portugal, que celebra 10 anos em 2025: «Acolher a obra de Clarice Lispector no nosso catálogo é a melhor forma que poderíamos ter imaginado para assinalar o aniversário da Companhia das Letras em Portugal, num encontro que estava destinado a acontecer. Ler estes livros pela primeira vez é encontrar uma literatura absolutamente moderna, disruptiva, audaz, extraordinariamente instigante. Relê-los é uma redescoberta permanente de novos matizes, cintilações, camadas sucessivas de significados e intuições, num edifício literário sem paralelo na língua portuguesa. Clarice ousou escrever sobre as arestas mais recônditas do nosso pensamento, sobre os sentimentos e desejos mais inconfessados. Clarice procurou e encontrou formas incrivelmente inovadoras de escrever sobre identidade e liberdade, apontando sempre ao coração da vida. Uma escritora que se antecipou ao seu próprio tempo, que rompeu fronteiras. A sua é uma obra maior do cânone moderno e contemporâneo, que dialoga com o passado e com o futuro. Desenhámos uma estratégia de publicação ambiciosa, porque pretendemos levar Clarice Lispector a todos os leitores, que merecem descobri-la na sua absoluta intemporalidade e inquestionável pertinência.»

 

Hoje e sempre, Clarice

A 10 de dezembro de 1920, nasce Clarice Lispector, que viria a tornar-se figura maior da literatura do século xx. Recebe, ao nascer numa aldeia da Ucrânia, o nome «Haia», que significa «vida». Para fugir à guerra civil e à perseguição dos pogroms, a família decide emigrar: em 1922, Clarice Lispector aporta no Nordeste do Brasil, acompanhada pelos pais e as duas irmãs. Mudam de nome, começam uma nova vida.

Em 1939, vai estudar Direito no Rio de Janeiro. No ano seguinte, começa a trabalhar como jornalista e publica, numa revista, o primeiro conto. Não mais pára de escrever. Perto do coração selvagem, o romance de estreia, sai em 1943, ano em que a escritora se casa com um diplomata brasileiro, seu colega de faculdade. Dez anos mais tarde, este romance sai em França, com capa de Henri Matisse, inaugurando um percurso internacional fulgurante.

A partir de 1944, Clarice Lispector vive em Nápoles, Berna, Torquay e Washington, acompanhando o marido na carreira diplomática. Regressa ao Brasil, com os dois filhos, em 1959, após o divórcio. Morre em 1977, no Rio de Janeiro.

 

Uma literatura inteira

A publicação da obra de Clarice Lispector na Companhia das Letras Portugal tem início a 20 de Janeiro, com a publicação de quatro romances centrais na obra da escritora. Perto do coração selvagem foi o primeiro romance de Clarice Lispector, publicado em 1943, quando a autora tinha 23 anos. Foi, logo no arranque, uma pedrada no charco no panorama literário brasileiro. Dele diz a escritora Susana Moreira Marques no texto de apresentação: «A leitura deste romance confronta-nos com o que sabemos sobre nós próprios e com o quanto fingimos não saber. […] Pegue no livro. Pegue no lápis. Encontre as frases, para não se esquecer de que a felicidade nunca é dada por ninguém a não ser por nós mesmos.»

 

Publicado originalmente em 1964, A paixão segundo G.H. é um dos romances mais conhecidos e lidos da autora, tendo sido adaptado ao cinema. Tem posfácio do académico Carlos Mendes de Sousa, um dos grandes especialistas mundiais da obra de Clarice Lispector, que diz deste romance: «Um texto maior da literatura do século XX. […] A maior parte das vezes, o que acontece com Clarice é que ela nos dá encontros de vida. A grande fulminação é o impulso vital que as suas palavras contêm. Lendo-a, aproximamo-nos do seu mundo denso e verdadeiro. É por isso que, em espelho, nos estamos sempre a rever nos seus textos.»

Nove anos depois, em 1973, foi a vez de Água viva.  A professora universitária Joana Matos Frias classifica este romance como «a fala tardia e nocturna, por vezes quase sonâmbula […] de uma pintora que deseja mudar de meio de expressão e procura assim dar conta, nesta noite ‘mais longa do que a vida’, do seu nascimento enquanto escritora […]. Mais do que assistir a este parto, é dado ao leitor participar nele e na descoberta do (i)mundo, com o susto de quem vê o informe tomar forma.»

O último romance deste quarteto é Um sopro de vida, publicado em 1978, um ano depois da morte de Clarice. O escritor e crítico literário Pedro Mexia qualifica-o como «um livro deambulante, concreto e ínfimo, abstracto e inexprimível, uma inteligência dos sentidos e das sensações, mais até do que do pensamento. Torna-se por isso uma constante surpresa, exigência e ousadia […]. Mais do que um livro inacabado e póstumo, Um sopro de vida lembra a nossa comum condição póstuma e inacabada.»

 

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