Clarice Lispector. Uma literatura inteira.

A Companhia das Letras vai publicar a obra completa de Clarice Lispector, figura maior da literatura lusófona contemporânea, começando já, no inicio do ano, por quatro romances centrais na sua obra: A paixão segundo G.H., Água viva, Um sopro de vida  e Perto do coração selvagem. Estas novas edições contam com a colaboração de Carlos Mendes de Sousa, autor do posfácio e do texto de apresentação de A paixão segundo G.H., e, ainda, de Joana Matos Frias, Pedro Mexia e Susana Moreira Marques, autores dos textos de apresentação de, respetivamente, Água viva, Perto do coração selvagem e Um sopro de vida.

Nas palavras das editoras este é um marco no catálogo da Companhia das Letras:

«Ler estes livros pela primeira vez é encontrar uma literatura absolutamente moderna, disruptiva, audaz, extraordinariamente instigante. Relê-los é uma redescoberta permanente de novos matizes, cintilações, camadas sucessivas de significados e intuições, num edifício literário sem paralelo na língua portuguesa. Clarice ousou escrever sobre as arestas mais recônditas do nosso pensamento, sobre os sentimentos e desejos mais inconfessados. Clarice procurou e encontrou formas incrivelmente inovadoras de escrever sobre identidade e liberdade, apontando sempre ao coração da vida. Uma escritora que se antecipou ao seu próprio tempo, que rompeu fronteiras. A sua é uma obra maior do cânone moderno e contemporâneo, que dialoga com o passado e com o futuro.»

 

Perto do coração selvagem  foi o primeiro romance de Clarice Lispector, publicado em 1943, quando a autora tinha 23 anos. Foi, logo no arranque, uma pedrada no charco no panorama literário brasileiro. Dele diz a escritora Susana Moreira Marques no texto de apresentação: «A leitura deste romance confronta-nos com o que sabemos sobre nós próprios e com o quanto fingimos não saber. […] Pegue no livro. Pegue no lápis. Encontre as frases, para não se esquecer de que a felicidade nunca é dada por ninguém a não ser por nós mesmos.»

 

Publicado originalmente em 1964, A paixão segundo G.H. é um dos romances mais conhecidos e lidos da autora, tendo sido adaptado ao cinema. Tem posfácio do académico Carlos Mendes de Sousa, um dos grandes especialistas mundiais da obra de Clarice Lispector, que diz deste romance: «Um texto maior da literatura do século XX. […] A maior parte das vezes, o que acontece com Clarice é que ela nos dá encontros de vida. A grande fulminação é o impulso vital que as suas palavras contêm. Lendo-a, aproximamo-nos do seu mundo denso e verdadeiro. É por isso que, em espelho, nos estamos sempre  a rever nos seus textos.»

 

Nove anos depois, em 1973, foi a vez de Água vivaA professora universitária Joana Matos Frias classifica este romance como «a fala tardia e nocturna, por vezes quase sonâmbula […] de uma pintora que deseja mudar de meio de expressão e procura assim dar conta, nesta noite ‘mais longa do que a vida’, do seu nascimento enquanto escritora […]. Mais do que assistir a este parto, é dado ao leitor participar nele e na descoberta do (i)mundo, com o susto de quem vê o informe tomar forma.»

 

O último romance deste quarteto é Um sopro de vida, publicado em 1978, um ano depois da morte  de Clarice. O escritor e crítico literário Pedro Mexia qualifica-o como «um livro deambulante, concreto  e ínfimo, abstracto e inexprimível, uma inteligência dos sentidos e das sensações, mais até do que  do pensamento. Torna-se por isso uma constante surpresa, exigência e ousadia […]. Mais do que um livro inacabado e póstumo, Um sopro de vida lembra a nossa comum condição póstuma e inacabada.»

 

 

A vida de Clarice Lispector

A 10 de dezembro de 1920, nasce Clarice Lispector, que viria a tornar-se figura maior da literatura do século xx. Recebe, ao nascer numa aldeia da Ucrânia, o nome «Haia», que significa «vida». Para fugir à guerra civil e à perseguição dos pogroms, a família decide emigrar: em 1922, Clarice Lispector aporta no Nordeste do Brasil, acompanhada pelos pais e as duas irmãs. Mudam de nome, começam uma nova vida.

Em 1939, vai estudar Direito no Rio de Janeiro. No ano seguinte, começa a trabalhar como jornalista e publica, numa revista, o primeiro conto. Não mais pára de escrever. Perto do coração selvagem, o romance de estreia, sai em 1943, ano em que a escritora se casa com um diplomata brasileiro, seu colega de faculdade. Dez anos mais tarde, este romance sai em França, com capa de Henri Matisse, inaugurando um percurso internacional fulgurante.

A partir de 1944, Clarice Lispector vive em Nápoles, Berna, Torquay e Washington, acompanhando o marido na carreira diplomática. Regressa ao Brasil, com os dois filhos, em 1959, após o divórcio. Morre em 1977, no Rio de Janeiro.

 

Ainda este ano será publicado um livro inédito  em Portugal, que reúne crónicas e outros textos: Para não esquecer. Seguir-se-ão,  em anos vindouros, os restantes romances, assim como vários volumes de contos, crónicas, cartas e uma antologia de textos para a infância.

Partilhar:
Outros artigos: