Acaba de chegar às livrarias Pelo Contrário, um original guia que alinha argumentos pró e contra 50 temas controversos. Com textos dos professores Rui Correia e António Fernando Nabais, e ilustrações de Hélio Falcão, este livro nasce do engenho da mesma equipa que nos trouxe a coleção em cinco volumes Contos Arrepiantes da História de Portugal. Os autores apresentaram a obra no FOLIO neste domingo.
Porque quiseram escrever este livro, qual é o objetivo?
Num mundo em que a publicação de opiniões se tornou tão fácil, pareceu-nos importante lembrar que, mais do que opiniões, é importante ter bons argumentos. Com este livro, procuramos levar a que os leitores se concentrem exatamente nos argumentos de 50 temas que suscitam grandes discordâncias, ou pior, discórdias. Não pretendemos apagar divisões, mas ajudar a que essas divisões não redundem em cisões, em separações sem remédio. Se conseguirmos obrigar-nos a ler, a escutar e tentar compreender as palavras daqueles de quem discordamos, se nos concentrarmos naquilo que dizem, talvez possamos contribuir para que haja menos crispação.
Como foi o processo de trabalho? Dividiram os temas, um escreveu a favor e outro contra, foram alternando?
Cada um de nós ficou com 25 temas e escreveu os argumentos a favor e contra. Obrigámo-nos, portanto, a fazer um exercício de argumentação que nos deve levar a perceber argumentos. Depois, foi preciso afinar o tom e o registo do texto. Perseguimos a simplicidade e não a facilidade. Ser coloquial não deve implicar cedências ao rigor e sensibilidade perante a delicadeza dos temas. A versão final de cada um dos textos só ficou pronta depois de uma leitura conjunta de consolidação que, quase sempre, levou a que houvesse aperfeiçoamentos, na forma como no teor.
Enquanto professores, como avaliam as capacidades dos estudantes para argumentar e debater?
Os alunos têm uma apetência enorme para argumentar e debater e a impulsividade natural da juventude leva-os a sentir certezas absolutas que a idade e a experiência poderão amenizar ou mesmo apagar. Diríamos que, face à abertura dos últimos 50 anos, os estudantes estão cada vez mais capacitados, porque debater faz naturalmente parte da vida de um país democrático. De qualquer modo, é fundamental que a escola proporcione aos jovens a prática e o treino do debate.
As redes sociais estimulam o debate ou afetam negativamente a capacidade de ver o outro lado?
As redes sociais estimulam o debate mas não convidam à sinceridade amável. A exposição pública de vulnerabilidades não é bem compreendida e atrai abusadores de todo o tipo. Publicar uma opinião que pode ser lida por centenas ou por milhares de pessoas, graças às redes sociais, é muito fácil, o que quer dizer que qualquer pessoa com um simples telemóvel pode lançar para o mundo tudo aquilo que pensa. Mais ou menos refletidamente. Ver o outro lado sempre foi difícil e é uma capacidade que as pessoas ainda estão a adquirir muito lentamente. Talvez ainda seja cedo para fazer a história das redes sociais.
Que dinâmicas propõem para trabalhar este livro nas escolas? Criar um clube de debate parece ser uma das que salta à vista.
A apresentação e utilização do livro Pelo Contrário em escolas permite suscitar momentos de debate entre os alunos sobre alguns dos temas mais controversos apresentados no livro. Procurar-se-á estudar modelos de debate, surpreender as dificuldades, preconceitos e resistências habituais na criação de atmosferas de liberdade de expressão, identificar as condições indispensáveis para um debate útil e necessário, aprofundar a distinção entre um diálogo construtivo e um diálogo aparente, entre uma comunicação funcional e uma comunicação improdutiva. Debater-se-á a distância essencial entre discordância e discórdia, aprender a detectar armadilhas e artimanhas da persuasão mediática, conversar-se-á acerca da distinção a fazer entre o acto de criar conteúdo e ter conteúdo; identificar as fundas diferenças entre palavreado e esclarecimento, entre retórica e tagarelice. Sublinhar o enorme benefício prático que resulta do cuidado pela língua portuguesa, pela oratória e pela eloquência.
Envolver os alunos numa discussão ativa sobre estes temas permite construir as bases para um entendimento das diferenças que a todos nos unem e nos completam.
Depois dos contos arrepiantes da nossa História e dos temas «fraturantes», têm outras ideias polémicas para novos livros?
Acreditamos que os temas para debates não estarão esgotados e que este Pelo Contrário poderá ter continuação. Temos, ainda, a ideia de escrever livros que digam mal, porque a crítica deve ser destrutiva e é importante mostrar os defeitos da sociedade. Por ser polémico, poderíamos começar por dizer mal dos jovens, até porque a juventude está perdida desde que começou a história da humanidade.