E se? Os mundos da ficção especulativa

Realismo mágico, ficção científica, distopia e terror são subgéneros desta tendência cada vez mais presente na literatura 

Tal como tudo na vida, os seres humanos têm uma necessidade quase patológica de categorizar: relações, género, sexualidade, literatura. E se, por um lado, essa categorização pode ajudar a uma certa organização, ela pode fechar as caixas de tal forma que se torna difícil sair delas. E, tal como na vida, na literatura as situações nunca são só uma coisa. «Eu não gosto nada de ficção especulativa», dizem algumas pessoas que assistem religiosamente à série The Last of Us ou que adoraram o filme de animação Totoro, de Myazaki ou que, lá no fundo, têm um fraquinho por vampiros e filmes de terror. Temos más notícias: tudo isso é ficção especulativa. 

Como assim? 

E se? É a grande questão que inflama a ficção especulativa. E se de repente o mundo vivesse sob uma ditadura verde, se só pudéssemos usar três cadernos por ano para poupar o papel, se a eletricidade não fosse um direito, e se? Filipa Fonseca Silva, no seu livro Admirável Mundo Verde, faz esta pergunta e imagina uma realidade onde o planeta está saudável e a salvo, mas as pessoas não. Publicado pela Suma de Letras, este livro é uma distopia, ou seja, uma história passada num cenário catastrófico, mas também pode ser uma utopia, um cenário perfeito, dependendo daquilo em que se acredita. 

E se, quando temos pesadelos à noite, um ser que vive escondido dentro de nós chamado Incubus, viesse ao de cima, à superfície do consciente, para nos escudar do sofrimento provocado por esses pesadelos? Só assim seria possível sobreviver a tanta violência onírica, certo? Pelo menos foi isso que Mafalda Santos, autora de múltiplas ficções especulativas para a Suma de Letras (Conta-me, Escuridão, Do outro Lado, Enquanto o Fim não Vem) se propôs a explorar no seu mais recente livro Aquilo que o Sono Esconde. Sobrenatural, realismo mágico? Não importa: todos fazem parte da grande caixa (sem tampa) que é a ficção especulativa. 

Também João Zamith e Fábio Ventura exploram as franjas deste estilo literário. Um mais virado para o sobrenatural, com o surgimento de assombrações que por vezes tocam o terror, com o seu primeiro livro Coisas Ruins, carregado de elementos do folclore português, daqueles que não nos deixam dormir à noite; outro com um cariz de horror (o que aconteceria se de repente um som aterrorizador matasse mais de metade da população humana?) com o seu novo livro O Sono dos Culpados. 

 

Mas então, em que é que ficamos? 

Ficção Científica? Ficção Especulativa. 

Realismo Mágico? Ficção Especulativa. 

Distopia/Utopia? Ficção Especulativa. 

Sobrenatural/Horror/Terror? Ficção Especulativa. 

Fantasia? Ficção Especulativa. 

A grande caixa que é este tipo de ficção guarda todas estas caixinhas que, por sua vez, guardam outras porque cada uma tem as suas próprias características. Há thrillers, romances, aventuras, tantos estilos quanto… folhas de árvores. Aliás, se imaginarmos uma árvore (a ficção especulativa) em vez de uma caixa, e se dermos a cada ramo um nome destes géneros, as folhas seriam todos os subgéneros e características únicas de cada um. 

E sem querer ser moralista ou «mãe de todos» (para isso prefiro ser a «Mãe de Dragões», personagem que por acaso também se insere nesta árvore da ficção especulativa…), é sempre perigoso negar à partida um género que se desconhece sob pena de perder mundos alternativos absolutamente inesquecíveis. 

 

Diana Garrido, editora Suma de Letras 

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