Considerado pelo Jornal de Letras o melhor romance de 2023, Revolução tem vindo a trilhar um bonito caminho entre os leitores. Falámos com Hugo Gonçalves sobre este romance que nos faz recuar 50 anos, numa trama familiar que vai do pré-25 de Abril até ao verão quente do PREC.
Como descreverias o tempo do PREC?
Como se dizia na altura, um tempo fora do tempo, um tempo sem sono, em que numa semana se viviam cem anos. Havia muita esperança, mas também medo. Havia muita paixão e certezas absolutas mas, curiosamente, ninguém sabia o que iria acontecer. Depois de quase meio século de ditadura, era muito difícil ser de outra maneira. Havia muito por viver, muita avidez por recuperar o tempo perdido e experimentar o proibido. Uma democracia não surge de um dia para o outro, não vem embrulhada com laçarote, modelo de fábrica, chave na mão. Custou muitas dores de crescimento, erros, exageros, e muita comédia também. O mais importante é o resultado: o fim do obscurantismo autoritário, o princípio da liberdade e de um Estado de direito moderno.
Imagina que eras uma pessoa com poder nessa altura, o que farias?
Estaria mais interessado em experimentar a liberdade do que o poder. O Salazar disse uma vez que «o poder só pode agradar aos tolos ou aos predestinados.» Esqueceu-se foi de acrescentar que apenas um tolo se acha predestinado. Dito isto, não esqueço as pessoas – nomeadamente os moderados do Grupo dos Nove – que souberam usar o poder e entregá-lo a outros, democraticamente, no momento certo, através de eleições livres e universais.
Os teus protagonistas, três irmãos, acabam por representar 3 lados e 3 visões dos acontecimentos. Em qual te deu mais gozo entrar?
Todos, por razões diferentes. Um dos privilégios dos romancistas é viverem outra vidas, noutros tempos. Mas também o desafio: que as personagens sejam complexas e contraditórias, que não sejam planas nem estereotipadas. Queria que os leitores, tal como eu ao escrever o livro, sentissem que, por mais distantes que se pudessem achar das ideias ou escolhas das personagens, também encontrassem nelas os pontos de conexão, aquilo que a literatura une, essa experiência – às vezes maravilhosa, às vezes aterradora – de estarmos vivos.
És talvez o único escritor da tua geração a decidir escrever ficção passada nesta época. Sentes que esse distanciamento, enquanto “filho de Abril”, foi importante?
Certamente ajudou a escrever este livro, não necessariamente a escrever um livro sobre a época. Uma pessoa que tenha vivido aquele tempo terá outras coisas a acrescentar. Mas esse é o trabalho do escritor: efabular a partir do que tem. Chegar à verdade através da ficção.
Com este romance tens alcançado muitos novos leitores, nomeadamente de jovens adultos. Que feedback tens recebido?
O retorno tem sido entusiasmante. Nunca escrevo a pensar em quem me vai ler, homens, mulheres, velhos, jovens, todo o leitor é bem-vindo. Mas tendo em conta os baixos níveis de leitura do país e alguns dos temas do livro – tirania versus opressão, ditadura versus liberdade – é uma alegria ver gente nova agarrada ao livro. Contudo, sigo sem conta no Tik Tok.
Nos 50 anos da Revolução, que mensagem gostarias de passar?
Como diz Ricardo Walker, no livro: «Esquerda, direita, revoluções, ditaduras? Tudo passa. As ideologias são como os cortes de cabelo, mudam consoante as modas. Mas há uma coisa que permanece. O caráter. Só o caráter te previne de ser um pulha ou um oportunista em nome de uma ideia. O direito da liberdade implica o dever da memória.»