«Espero que os leitores se sintam tão divididos quanto eu»

A crítica considerou-o “poderoso”, “magistral” e “arrebatador”. Terra Ferida é uma história de amor com ritmo de thriller, sobre escolhas impossíveis, consequências devastadoras e o legado do primeiro amor. A autora, Clare Leslie Hall, espera que “os leitores se sintam tão divididos” quanto ela se sentiu a escrever este triângulo amoroso entre Beth, Frank e Gabriel. Leia abaixo a entrevista completa.

 

Querida Clare, o teu fantástico livro passa-se numa quinta em Dorset, nos anos 50, 60 e 70. O que te inspirou para escreveres esta história?

Há alguns anos, a minha família mudou-se de Londres para uma quinta rodeada de campos, no Sudoeste de Inglaterra. Temos três filhos e há uma grande diferença de idades entre os dois mais velhos e o mais novo, Felix, portanto, comprámos-lhe um cachorrinho para lhe fazer companhia. Tornaram-se inseparáveis! Um dia, o meu marido estava a correr nos campos quando o cão se meteu com um rebanho de ovelhas­­—o agricultor ameaçou dar-lhe um tiro! Felizmente, isso não aconteceu, mas despoletou a ideia para este livro. De repente, uma cena muito vívida apareceu na minha cabeça. Conseguia ver um agricultor e a sua mulher, no seu campo com o rebanho e um menino a correr em direção a eles, à procura do seu cão. Apercebi-me de uma grande atração entre o pai do menino e a mulher do agricultor. Um triângulo amoroso à espera que eu o escrevesse.

 

Que papel a vida de campo tem nesta história?

A vida no campo é uma parte importante da história. Quando me mudei para o seio de uma zona agrícola, apercebi-me de uma desconexão entre as pessoas que vinham da cidade, como eu, e a velha-guarda rural que sempre ali vivera. Foi o incidente com o cão que me fez pensar—nós estávamos horrorizados, enquanto donos de um animal de estimação, ao pensar no que podia ter acontecido ao nosso cão; mas e os agricultores que assistem às suas ovelhas a ser atacadas ano após ano? Quanto mais tempo passava com agricultores, melhor percebia o quão ligados à terra eles são. Mais do que um ganha-pão, é uma vocação. A agricultura é difícil: dias longos, sem férias, perigo todos os dias, maus salários. No entanto, todos os agricultores com quem convivi, nem sequer conseguem conceber fazer outra coisa. Estavam constantemente a abrir-me os olhos para pequenos momentos de beleza que testemunhamos todos os dias: uma cotovia a esvoaçar no céu, um bezerro a nascer, uma ninhada de raposas bebés aos trambolhões. Beth esperava uma vida rodeada de livros e aprendizagem, mas acaba por casar um agricultor e apercebe-se que estar rodeada pela natureza é, também, um tipo de educação igualmente, ou talvez ainda mais, gratificante. Também quis retratar a vida numa pequena aldeia rural. Lembro-me de ficar surpreendida com o quão gentil prestável e amigável toda a gente é, quando me mudei de Londres para o campo. Mas há uma dualidade, porque numa pequena aldeia rural toda a gente se conhece e acha que sabe os segredos uns dos outros, também. Pode ser claustrofóbico e sinsitro, também—o cenário perfeito para um livro!

 

O que é que foi mais importante para ti, nesta história comovente?

Era importante, para mim, escrever uma história que fosse tão emocionalmente verdadeira quanto possível. Beth é uma mãe de luto, cuja vida começa a implodir quando está no seu estado mais vulnerável. Enquanto mãe, tinha-me afastado, instintivamente, de histórias sobre a dor inimaginável da perda de um filho. Mas, quando comecei a desenvolver Terra Ferida, sabia que tinha de o escrever. Portanto, quis perceber o sofrimento de Beth e Frank, como é que afeta o seu casamento e as escolhas que Beth faz. Quis equilibrar a tristeza e a esperança na história. Espero que isso se reflita em outras personagens, como Jimmy e nina, nos primeiros anos de casados de Frank e Beth e até na história de amor incial entre Gabriel e Beth. E na beleza do mundo campestre em que eles vivem.

 

Podes apresentar brevemente as personagens principais?

Beth é mulher de um agricultor, casada com um homem que ama e embrenhada na gestão da quinta. Está ainda abalada pela perda do seu filho quando Gabriel, o seu primeiro amor, reaparece na aldeia e traz tumulto à sua vida. Há uma dualidade em Beth: ela é intelectual, romântica e criativa como Gabriel e terra-a-terra, prática e apaixonada pela natureza como Frank.

Gabriel é o rapaz do casarão por quem Beth se apaixona, em adolescente. Aparentemente, ele tem tudo—é bonito, rico e inteligente—mas cresce num ambiente solitário e isolado, com um pai pouco presente e uma mãe difícil. Anos mais tarde, volta à aldeia enquanto autor famoso e extremamente atraente (na minha cabeça, pelo menos!). Tudo o que ele queria aos dezoito anos concretizou-se, exceto, claro, ficar com a mulher que, secretamente ainda ama—Beth.

Frank—que homem! É a personagem mais madura no livro, porque nunca age por interesse próprio. É gentil, provavelmente demasiado gentil, e estranhamente perspicaz, ou seja, sabe o que move as pessoas que ele ama, seja Beth ou Jimmy. É estóico, mas tem os seus defeitos. É um homem do seu tempo e, tal como o irmão e o pai, não consegue expressar emoções difíceis. Reprime tudo e isso torna-o incapaz de evitar que o seu casamento caia do abismo.

 

Que livros inspiraram Terra Ferida?

Sempre adorei The Go-Between, de LP Hartley, e estava sempre a pensar nele quando comecei a escrever. Passa-se nos anos 30 e retrata uma rapariga aristocrata, que mora numa mansão e se apaixona por um agricultor, com reprecussões trágicas! Terra Ferida é, de certo modo, o oposto disso: uma rapariga do campo que se apaixona pelo rapaz da mansão. Começou por ser um romance contemporâneo e só no terceiro rascunho decidi que se devia passar nos anos 50 e 60. Parecia-me uma história de época e, agora, quando olho para trás, pergunto-me se isso não terá sido influência de The Go-Between.

Atonement, de Ian McEwan, é um dos meus livros preferidos de todos os tempos. Adoro que se passe numa mansão no campo e a relação amorosa entre a filha da família e o filho da empregada. Mais um livro que fala de amor entre classes! É um livro que releio muito, por isso, posso dizer que me influenciou.

Admirei muito O Palácio de Papel, de Miranda Cowley Heller, quando foi publicado. Fiquei completamente embasbacada com o triângulo amoroso, a narradora tinha de fazer uma escolha impossível entre o marido o melhor amigo de infância. Espero que os leitores de Terra Ferida se sintam tão divididos quanto eu me senti ao escrever o trângulo amoroso entre Beth, Frank e Gabriel.

 

Tens uma personagem favorita?

Frank é o meu favorito. Acho que é porque ele é tão estóico e, no entanto, tão cheio de emoção que tenta suprimir. Adorei escrevê-lo, este homem que sente tanto, mas nunca o mostra, porque conseguia mesmo ver o seu interior. Frank era carne e osso, para mim, desde o início. Também adoro a Beth. Sim, tem os seus defeitos, às vezes toma más decisões, mas a vida também lhe trouxe muitas dificuldades, por isso, consigo perceber o que é que a levou a tomar essas decisões, porque é que ela precisava de escapar.

 

Choraste enquanto escrevias?

Chorei ao escrever o final. É engraçado porque estava feliz com a maneira como a vida se resolveu para as três personagens principais, no final, mas, ainda assim, fez-me chorar. Parece que é a parte em que toda a gente chora, também! Acho que é porque as personagens passam por tanto, duranto o livro, que a resolução parece agridoce, de certo modo. Há algumas partes na história que são mesmo tristes (no spoilers!) e, mesmo agora, sempre que chego a esses capítulos o meu coração aperta, porque sei o que aí vem.

 

Se tivesses de escolher: Frank ou Gabriel?

Escolha impossível! Posso dizer que era Frank que estava mais perto do meu coração, enquanto escrevia. Às vezes, tinha de parar de escrever por um tempo, porque a história não estava à altura da ideia que eu tinha, parecia demasiado difícil [escrevê-la]. Foi sempre por causa de Frank que voltei à escrita—tinha de saber o seu final. Mas também me apaixonei por Gabriel enquanto escrevia e senti-me muito dividida entre os dois, sem ter a certeza com quem é que Beth devia ficar, mesmo sabendo o final desde o primeiro dia.

 

Descreve a história em três palavras.

Romântica, misteriosa, dolorosa.

 

Como, quando e onde preferes escrever? Tens algum ritual ou local para escrever?

Escrevo no meu escritório, em casa, que é um quartinho muito pequenino, que pertencia ao meu filho mais novo, quando era bebé. É um bom sítio para escrever, porque é pequeno e aconchegante, dá a sensação de hibernação. Tenho uma estante com os meus livros favoritos, um par de candeeiros bonitos, a minha secretária e muitas fotografias. Não tenho nenhum ritual em particular, mas geralmente acendo uma vela e começo com uma chávena de café. Começo a escrever de manhã e consigo levar todo o dia, mas com muitas pausas (sou procrastinadora!). Já tentei escrever noutros sítios, cafés, bibliotecas, mas, apesar de adorar a ideia, distraio-me muito com as outras pessoas. Estou mais feliz no meu escritório, com as minhas coisinhas à minha volta, desligando o resto do mundo por umas horas. O mais difícil é voltar à realidade.

 

Alguma pessoa que conheces inspirou as personagens do livro?

Quando estava a fazer pesquisa para Terra Ferida, passei uns tempos com um casal de agricultores numa pequena quinta em Kent. Estava a pensar neles quando comecei a escrever. O quão casados estavam com o a sua terra e a sua vida selvagem, como o marido construiu um observatório de aves para a mulher poder ver os passáros a fazer os ninhos—isso está no livro. O agricultor e a sua mulher, Keith e Nina, com os seus 70 anos, são agora proprietários dos campos à volta de sua casa e sempre achei isso inspirador. Quando penso em Keith a chamar as suas ovelhas, o som particular que faz e que eu ouço todos os dias do meu escritório, isso claramente passou para Frank. Tessa Wolfe, a mãe de Gabriel, é inspirada em mulheres difíceis que conheci. Ninguém em particular, mas um híbrido dessas pessoas cujo snobismo, preconceito e apreciação pelo álcool se alojou no meu subconsciente.

 

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