«As Crianças Verdes ou A Descrição dos Estranhos Eventos Ocorridos na Volínia, elaborada por William Davisson, Médico de Sua Majestade, o Rei Jan Kazimierz»
Os acontecimentos ocorreram na Primavera e no Verão de 1656, quando me encontrava ainda na Polónia por mais um ano. Fora para lá há alguns anos a convite de Marie Louise Gonzaga, esposa do Rei da Polónia, Jan Kazimierz, a fim de assumir o cargo de médico real e administrador dos jardins reais. Não podia recusar este convite por este me ter sido endereçado por tão distintos dignitários e também por certas razões privadas, que, porém, não vêm aqui ao caso. Quando parti para a Polónia não me senti muito à vontade, porque não conhecia aquele país tão distante do mundo que me era familiar e porque me considerava uma espécie de ex-cêntrico, alguém que se desvia do centro, onde se sabe o que esperar. Receava os costumes estrangeiros, a hostilidade dos povos do
Leste e do Norte, mas, acima de tudo, receava a imprevisível aura local, o frio e a humidade. Afinal, ainda tinha gravado na memória o destino do meu amigo René Descartes, que alguns anos antes, convidado pela Rainha da Suécia, viajara até aos seus gélidos palácios setentrionais na longínqua
cidade de Estocolmo, onde, tendo-se constipado, morreu na flor da idade e na plenitude das suas faculdades mentais. Que perda para toda a ciência! Temendo semelhante destino, levei de França alguns dos melhores casacos de peles, os quais, logo no primeiro Inverno, se revelaram leves e delicados demais para o clima local. O Rei, com o qual logo travei sincera amizade, ofereceu-me um casaco de pele de lobo até aos tornozelos, que eu nunca largava de Outubro a Abril. E também o enverguei no mês de Março, durante a expedição que aqui vou descrever. Fica a saber, Leitor, que os Invernos na Polónia, tal como no Norte, em geral, costumam ser rigorosos — imagine só que para a Suécia se viaja sobre o gelo do Mare Balticum e que, em muitos lagos e rios congelados, se organizam mercadinhos de Carnaval. E como esta estação do ano aqui dura muito tempo e as plantas se escondem sob a neve, um botânico não dispõe de muito tempo para pesquisar. Por conseguinte, quer quisesse quer não, ocupava-me das pessoas. Chamo-me William Davisson, sou escocês e oriundo de Aberdeen, mas passei muitos anos em França, onde a minha carreira culminou com o cargo de botânico real e onde publiquei as minhas obras. Na Polónia, quase ninguém as conhecia, mas deram-me valor, porque aqui valorizam sem qualquer espírito crítico os forasteiros vindos de França. O que me levou, então, a seguir as pisadas de Descartes e a ir até aos confins da Europa? Seria difícil responder a estas perguntas de forma breve e objectiva, mas como esta história
não me diz respeito e nela sou tão-só testemunha, vou deixá-las sem resposta, confiando que os leitores serão mais atraídos pela história em si do que pela figura trivial daquele que a conta. O tempo em que estive ao serviço do Rei da Polónia coincidiu com os piores acontecimentos. Parecia que todas as forças do mal conspiravam contra o Reino da Polónia. O país estava devastado pela guerra, fora saqueado pelo exército sueco e, a Leste, arrasado pelos ataques de Moscovo. E, na Ruténia, os camponeses insatisfeitos já se haviam sublevado.
Leia o conto na íntegra em Histórias bizarras (edição Cavalo de Ferro), já nas livrarias.