Era um professor universitário como tantos outros no mundo. No caso, ensinando na Universidade Hebraica de Jerusalém. Até que um dia resolveu escrever um livro de não-ficção, como tantos outros antes dele. Sobre o que andam os humanos aqui a fazer, como tantos que tais. A questão é que Sapiens: História Breve da Humanidade se tornou um fenómeno extraordinário de popularidade, catapultando o especialista em História Militar Medieval ao estatuto de estrela rock. Só que dos livros. De então para cá, Yuval Harari já vendeu bem mais de 20 milhões de exemplares, dezenas de milhares deles em Portugal. Qual o segredo para o sucesso? Um misto de conhecimento, talento narrativo, oportunidade e acaso, provavelmente, já que não basta saber tudo sobre alabardas e arqueiros para nos tornarmos uma celebridade.
A chave para o sucesso
Segundo o próprio autor, que participa pela primeira vez num evento público em Portugal no dia 19 de maio, o segredo está na linguagem: escrever para leitores “normais” e não para especialistas. Para a elite, como o próprio refere. Ah, e escrever sobre temas que têm um potencial de interesse alargado e sobre matérias que deveriam preocupar toda a gente, como é o caso da Inteligência Artificial, tópico a que Harari tem dedicado especial atenção nos últimos tempos – por estes dias escrevia no jornal Expresso que a IA pirateou o sistema operacional da civilização humana. Isto sem ter de recorrer a robots assassinos que viajam no tempo ou ao temível Hal 9000, que Kubrick pôs na tela de cinema de forma tão preclara. Mas Harari também fala sobre o mercado global de trabalho. Ou sobre os sistemas políticos e o que poderemos esperar deles. Fala sobre passado, sobre presente e sobre futuro. E conquista leitores aos cachos, com a sua sageza Sapiens Sapiens Sapiens, que o leva a viajar pelo mundo todo, entre palestras, apresentações e consultorias, sem nunca deixar de escrever. De forma simples, palavras do próprio, mas rigorosa e também, a espaços, bem-humorada.
Bibliografia
Sapiens punha os olhos no passado, demonstrando a importância de substantivos como fogo, que nos deu mais poder, mitologia, que nos permitiu criar uma ordem social, ou dinheiro, que nos deu algo em que confiar. Sobretudo se o tivermos em abundância, claro. Piscando o olho a várias disciplinas, Harari fez um cozinhado bem condimentado entre paleontologia, antropologia e sociologia para servir um prato apetitoso (a agricultura aumentou-nos o apetite, defende), chegando a um público vastíssimo, bem para lá do seu Israel natal.
Depois disso, especulou sobre o futuro da nossa espécie em Homo Deus – História Breve do Amanhã, levando longe essa mesma especulação: No livro, explora os principais projetos, sonhos e pesadelos que darão forma ao século que vivemos, num mundo mais acelerado, mais tecnológico e mais… artificial. Na visão de Harari, estaremos menos sujeitos a morrer de suicídio do que num conflito armado – tipo de conflito que marcou toda a história da Humanidade – e seremos capazes de derrotar a morte pelas mãos da ciência, tarefa mais simples do que derrotar a desigualdade. Podemos estar à beira de nos tornarmos deuses, mas com defeitos associados, aparentemente.
No que diz respeito ao presente, e depois de alcançar números estratosféricos com dois livros de não-ficção, sem recorrer a rapazes com varinhas de feiticeiro ou a mistérios nas obras de Leonardo da Vinci, Harari publicou 21 Lições para o Século XXI. Um ensaio sobre a nossa identidade coletiva, depois de termos domado a Natureza, mergulhando num caminho de autodeterminação da espécie que, ainda assim, está rodeado de perigos: dos conflitos nucleares aos cataclismos ecológicos, passando pela epidemia das notícias falsas e pela ameaça terrorista, este não é um século de bonomia e descanso para uma Humanidade cada vez mais dona – aparentemente – do seu destino.
Entretanto, surgiram as versões em novela gráfica de Sapiens e uma nova série para jovens intitulada Indomáveis, cujo primeiro volume já se encontra disponível. Nela, conta-se a forma como nos tornámos os animais mais poderosos do planeta, e os desafios que temos para enfrentar. No fundo, Harari mantém vivas duas preocupações centrais: chegar a mais e mais leitores – estão edições ilustradas estão a consegui-lo – e fazer com que os leitores de todas as idades e credos se perguntem “o que posso eu fazer quanto às mudanças do mundo?”. O futuro o dirá.