Jeff Kinney: «Uma personagem de banda desenhada é como uma promessa»

Em entrevista à BuzzFeed, Jeff Kinney fala sobre a evolução de O Diário de um Banana, 20 livros depois. O autor bestseller conversa sobre 20 livros, o caos do ensino básico e porque é que Greg Heffley continua a cativar os leitores.

 

O Diário de um Banana passa-se quando o Greg está no ensino básico. O que te inspirou a escolher este ciclo escolar como cenário permanente da série?
Quando eu era criança em Maryland, chamávamos-lhe «Junior High School». Mesmo nessa altura, percebia que era um lugar estranho — um espaço liminar, de certa forma. Lembro-me de entrar no primeiro dia e perceber que algumas crianças tinham literalmente o dobro do tamanho das outras. Sentia que era um lugar onde nos escondiam do mundo real até estarmos prontos para reaparecer!
Também há muito drama no ensino básico — especialmente com coisas como o bullying, há muita turbulência na vida de uma criança nesta fase. Achei que era um momento perfeito para a comédia e para explorar o humor!

 


Algum dos personagens principais foi baseado em ti e na tua experiência na escola?
Sim, o Greg é definitivamente uma versão de mim próprio nessa fase e nas fases seguintes. É uma personagem falhada, cheia de imperfeições — toda a comédia dos livros vem dessas imperfeições. A piada central da série é que o Greg decide que este é um bom momento para escrever a sua autobiografia. Claro que o leitor sabe que é um mau momento para ele registar as suas atividades diárias!
Quando escrevi O Diário de um Banana, imaginei-o na secção de humor da livraria. Era a única secção em que achava que um livro como este poderia estar. Durante os oito ou nove anos em que o escrevi, pensei honestamente em adultos a lê-lo.
Quando o meu editor disse: «Afinal escreveste uma série infantil», isso baralhou-me a cabeça. Eu estava a escrever para um público diferente o tempo todo e pensei: «Será que isto vai funcionar?».
Para funcionar, é preciso entender o Greg. É preciso entender que ele é falho e não foi feito para ser um exemplo a seguir. É também um narrador não confiável. Eu torci para que as crianças percebessem a piada, mas pareceu-me um pouco arriscado lançar um personagem com defeitos para o mundo.

 

Cada livro da série tem 224 páginas. É difícil planear o enredo para garantir que o livro tem exatamente esse número de páginas?
É como montar um puzzle. Hoje em dia, todos os livros acabam na página 224. Não sei se me tornei bom nisto ou se foi apenas sorte ao longo dos anos, mas é muito giro de ver! Nunca preciso de adicionar lombada aos meus livros, e também não preciso de os cortar. É ótimo que funcione assim.

 

Cada página inclui um desenho, e alguns deles estão bem detalhados. Em média, quanto tempo demora a completar uma página?
O processo de escrita é separado do processo de ilustração. Assim, só com as ilustrações, diria que uma página pode demorar entre duas horas e meia a cinco ou seis horas. Quando estou a ilustrar o livro, em média, desenho cerca de 13 horas por dia, durante dois meses!

 

Por falar em ilustrações, é difícil manter a consistência na aparência de cada personagem?
Quando comecei a trabalhar nestes livros, demorei um ano inteiro para acertar na consistência das personagens. Por exemplo, se observares episódios antigos dos Simpsons ou as primeiras tiras cómicas do Snoopy, vais reparar como o estilo evoluiu ao longo do tempo.
Queria muito garantir que a forma das personagens estava absolutamente perfeita antes de as apresentar ao mundo. Esta consistência é fundamental, principalmente com as minhas personagens, porque cada uma tem apenas alguns traços. A cabeça do Greg tem apenas nove traços, por isso, se algo estiver fora do lugar, vais reparar.
Fico feliz que aches que estão consistentes, porque isso é realmente importante!

 

Tem havido alguns desenhos muito divertidos ao longo dos anos. O meu favorito é a guerra de neve em Vai Tudo Abaixo. Há algum em particular do qual te orgulhes muito?
Há um desenho da mãe do Greg a dançar; o Rodrick está a tocar música no aparelho de som e ela está a dançar atrás dele. Não é um desenho muito bem conseguido, mas a espontaneidade do desenho é algo que me faz rir sempre que o vejo!
Também me orgulho muito do desenho em Vai Tudo Abaixo, que ocupa duas páginas. Levei 17 horas a fazê-lo. Nos escritórios da minha editora, ampliaram o desenho para o tamanho de uma parede — foi muito giro!

  

Há alguma personagem secundária que gostarias de ver com mais frequência nos livros?
Essa é uma boa pergunta. Gosto sempre quando o tio Gary aparece, porque é uma personagem realmente cheia de defeitos. Já se casou várias vezes e é um bocado preguiçoso. É o oposto do Frank, o pai do Greg. Gosto dos planos dele e das suas falhas. 

 

Costumas incluir alguma piada privada, escondida nos desenhos, que só tu ou a tua família entendem?
Há um livro que está literalmente cheio de piadas privadas. É o Ora Bolas!, e o Greg está à procura de um ovo de plástico com um anel lá dentro. Ao longo de todo o livro, existem vários ovos escondidos nas cenas. Portanto, acho que foi o mais perto que estive disso!

 

O 20.º livro da série, Festa de Arromba, foi lançado em outubro. O que nos podes contar sobre este livro?
Em Festa de Arromba, a família do Greg esquece-se do seu aniversário, e acho que esse é o pior pesadelo de qualquer criança. O Greg percebe que pode tirar partido disso.
A mãe do Greg sente-se culpada por se ter esquecido e pensa que pode salvar a sua reputação no bairro se lhe fizer uma grande festa. Existe um raro cartão colecionável que o Greg está a tentar obter. Pensa que pode dar uma festa enorme e talvez conseguir o cartão.
É um bom conflito entre os objetivos do Greg e os da mãe — o tipo de história que poderia dar uma adaptação cinematográfica! Diverti-me imenso a explorar como seria se o Greg desse uma festa gigantesca a si próprio.

 

Por falar em filmes, há uma nova longa-metragem de animação, A Gota D’ Água, a chegar ao Disney+ este inverno. Como é veres o teu trabalho adaptado para filmes live-action e animação?
Tem sido uma viagem interessante! As minhas personagens são estes simples bonequinhos de palitos, por isso foi uma experiência e tanto entrar na sala e conhecer o Zach Gordon, que fazia de Greg, e o Robert Capron, que fazia de Rowley.
Senti realmente como se os meus desenhos tivessem ganhado vida. Acho que estes dois atores, em particular, encarnaram as personagens na perfeição. Entre todos os filmes e musicais que fizemos, conheci muitos Gregs diferentes, e cada um traz algo único.
É um privilégio ver todas estas adaptações diferentes dos livros, porque isso significa que as histórias realmente ressoam e as personagens são memoráveis. Por vezes belisco-me para acreditar que consegui ter todas estas produções baseadas nas minhas histórias!

 

Excluindo o novo livro, Festa de Arromba, tens três favoritos?
Vou escolher o primeiro, O Diário de um Banana, porque é o primeiro — é especial! Acho que Vai Dar Molho é o meu melhor livro. E depois, Assim Vais Longe, porque acho que evoluí na narrativa com este volume.
[BuzzFeed]: Temos um em comum! O meu ranking pessoal é: Assim Vais Longe em primeiro lugar, seguido de Vai Tudo Abaixo e Dantes é Que Era.

 

Quando começaste, há tantos anos, imaginavas que chegarias ao livro 20?
Jeff: Lembro-me que a minha editora me queria contratar para três livros e, mesmo assim, três pareceram-me muito. Lembro-me quando comecei a pensar em cinco, e isso pareceu-me um salto enorme. O que tem acontecido ao longo dos anos é que as metas foram mudando. Eventualmente, quando cheguei aos livros seis e sete, pensei: «Bem, preciso de chegar ao livro 10!». Depois o 10 passou a ser 20.
Onde estou agora é a olhar para o horizonte e a perguntar-me: «O que é isto que estou a fazer e qual é o objetivo?». O que percebi é que uma personagem de desenho animado é como uma promessa, especialmente na idade em que as crianças estão a crescer hoje em dia. Precisam de algo em que possam confiar. O Diário de um Banana será uma dessas coisas em que poderão confiar.
Enquanto puder continuar a escrever bons livros, continuarei. Acho que há certas coisas nas nossas vidas que são constantes, e gosto da ideia de que O Diário de um Banana tenha sido uma constante na vida de muitas crianças. Crescem a gostar, depois deixam de gostar, e está tudo bem — mas espero que um dia olhem para trás e tenham boas recordações de um tempo em que aguardavam ansiosamente por um novo livro d’ O Diário de um Banana. 

 

Por fim, o que significa para ti saberes que os teus livros inspiraram tantos jovens leitores?
Espero que O Diário de um Banana tenha incentivado algumas crianças a tornarem-se leitores para a vida. Acho que isso está a acontecer. Há uma sensação de satisfação ao terminar um livro e, depois, já se quer ler outro.
Acho possível que a coleção tenha criado este hábito nas crianças, fazendo com que continuem a ler. Muitas pessoas perguntam: «Como podemos incentivar as crianças a ler?». Os escritores de hoje competem com os ecrãs. Penso que é nossa função, enquanto escritores, garantir que estamos a escrever histórias que mereçam a atenção das crianças. É isso que estou a tentar fazer. Sei que nem sempre consigo, mas é definitivamente o que procuro!

Obrigado, Jeff, por décadas de entretenimento e por inspirares milhões a adorar a leitura! Não percam o lançamento do 20.º livro da série O Diário de um Banana, Festa de Arromba, que chega às livrarias a 24 de novembro.

 

FONTE: BuzzFeed

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