Livraria do mês: Culsete

Nasceu em 1973, pelas mãos do casal Medeiros. Depois de mais de quarenta anos aberta, esteve perto de fechar as portas, mas, em 2018, Rita e Raúl resolveram abraçar este projeto. Fomos visitar a livraria Culsete, em Setúbal, e conversar com a livreira Rita.

Este ano assumimos uma missão: dar às livrarias independentes o destaque que merecem, entrevistando um livreiro por mês e dando, nesse mês, descontos exclusivos aos leitores que a visitem. Em Setembro, os leitores têm 10% de desconto na compra de livros da Penguin Random House Portugal comprados na Culsete.

Podem ver as restantes entrevistas a livreiros independentes aqui. 

A primeira pergunta é obrigatória: como começou a Culsete?

A Culsete já tem uma história longa. Foi fundada pelo casal Medeiros, que levou a livraria até mais ou menos 2016. Ainda celebraram os 40 anos da livraria. Entretanto, o senhor faleceu, a mulher não conseguiu continuar sozinha, e a livraria ficou com o futuro um bocadinho incerto.

Ainda houve umas pessoas que pegaram nela durante uns anos, para tentarem levá-la avante, mas também não conseguiram; em 2018, estava novamente em risco de fechar em definitivo. Eu e o meu marido ficámos com o negócio, fizemos aqui algumas reestruturações e reabrimos em 2019, até agora.

Já tinham pensado em ter uma livraria ou foi uma coisa de impulso?

Não, de todo. Foi muito impulsivo. Eu sempre fui leitora, desde pequenina, sempre gostei muito de livros, mas a minha relação com os livros era meramente essa, enquanto leitora. Nem sequer sou da área das letras, nem das humanidades. Portanto, era mesmo só o meu papel de leitora que me aproximava dos livros.

Mas, naquela altura, já estava um bocadinho cansada da minha carreira. Queria fazer uma mudança, mas não sabia bem para quê. Quando soubemos que isto estava para trespasse e que corria o risco de fechar, pensámos: porque não? Era uma forma de aliar um gosto com uma mudança radical. Eu sentia que, de alguma forma, podia contribuir e que me iria fazer feliz. Portanto, foi assim, num rompante, que mudei de vida e abracei este projeto, até agora. Entretanto, já fez os 50 anos e espero que possamos dar-lhe continuidade.

 

Sempre foi aqui e sempre foi Culsete?

Sim, sempre foi aqui, sempre com o mesmo nome. Nós quisemos manter, porque a livraria já é muito reconhecida, obviamente. Há toda uma geração, a minha, que vinha aqui em miúdos comprar os livros escolares. Foi uma coisa que nós, entretanto, abandonámos; já não trabalhamos o livro escolar, mas a Culsete ficou muito conhecida por isso.

E foi uma livraria também sempre com um bom reconhecimento da parte do público, porque sempre teve uma oferta diferente, cuidada; sempre trouxe aqui também muitos autores. Portanto, quisemos continuar essa missão e fazia sentido manter o nome. As mudanças que fizemos foram só ao nível da loja, do espaço expositivo, do logótipo.

E de onde vem esta paixão pelos livros?

Não sei explicar. Sempre fui leitora assídua, desde miúda que me lembro de ler todos os dias. O objeto livro sempre foi algo que adorei. Gosto de visitar livrarias, de estar nelas. Acho-as espaços muito acolhedores. Também sempre vi os meus pais a ler, talvez isso tenha ajudado. O meu marido, que é também sócio neste projeto, é designer e tem interesse não só pela leitura, mas também pela conceção e paginação dos livros.

 

A Culsete tem uma programação que vai além dos livros.

Sim. O papel das livrarias independentes enquanto agentes culturais é mesmo isso: isto é um espaço de comércio, é verdade, mas as livrarias vão muito para além disso, têm uma função cultural e uma função social de convívio e de encontro, que nós gostamos muito de fortalecer. Gostamos muito de proporcionar o encontro entre leitores e o encontro entre leitores e escritores. Gostamos muito de trazer aqui autores. E também temos o clube de leitura, também já muito coeso e muito forte, e que tem vindo a crescer. Penso que também é um dos pontos fortes aqui da livraria. Também tentamos, às vezes, fazer umas coisas diferentes, alguns workshops, tertúlias, enfim, outras atividades. Sendo que as principais são mesmo as apresentações de livros com os autores.

Isto é um espaço de comércio, é verdade, mas as livrarias vão muito para além disso, têm uma função cultural e uma função social de convívio e de encontro.

Qual é o seu refúgio de leitura preferido?

Prefiro ler em casa, porque gosto de silêncio para me concentrar. Ando sempre com um livro, e às vezes leio em esplanadas ou cafés, mas nem sempre é possível devido ao ruído, por isso opto pela minha varanda. Mas, para onde vou, levo na mala um livro. Sempre que me é possível, uma boa esplanada com sol é o espaço ideal.

Que outro negócio independente recomenda, aqui em Setúbal?

Eu tenho particular apreço por um espaço que existe na Avenida Luísa Todi, que é uma galeria de arte, a Casa d’Avenida. É um espaço que acolhe exposições, essencialmente, mas também faz muitos trabalhos interessantes para crianças, ao nível educativo. Também trabalha o livro, faz algumas apresentações, e temos, muitas vezes, parcerias com eles. Aliás, as parcerias também são uma missão importante nas livrarias. Nós, sempre que possível, também fazemos parcerias com outras entidades públicas e privadas.

 

 

Que livros da Penguin recomenda, agora neste regresso às aulas e ao trabalho?

Eu gosto muito da editora Fábula. É a minha preferida no segmento infantil. Acho que os livros são sempre maravilhosos, tanto pelas ilustrações como pelo conteúdo. Destaco o recente  Eu (Odeio) Adoro Livros, porque a temática são precisamente os livros. As crianças, às vezes, têm uma certa relutância em relação aos livros. Este, explora bem essa resistência que, por vezes, existe nas crianças relativamente à leitura. Acho que pode ser um bom incentivo quando regressarem em força às aulas

Seguindo a mesma temática, mas dirigido a adultos, destaco O Vício dos Livros II, o Afonso Cruz, que é um autor muito versátil e que a maioria das pessoas, independentemente da idade, aprecia. É um autor que recomendamos muitas vezes, mesmo para aquela faixa etária que, por vezes, é mais difícil de aproximar dos livros, como a adolescência.

Este Vício dos Livros já teve um primeiro volume, que foi muito bom, e agora saiu o segundo, igualmente maravilhoso. Ainda não o li todo, mas tenho estado a ler. Vai ser uma coleção para continuar, com textos muito bons. Além disso, é também um livro-objeto, muito cuidado, que nós recomendamos sempre.

Dentro desse espírito do regresso­­ – às aulas, ao trabalho e aos livros ­– destaco a coleção de ficção literária da Companhia das Letras, que adoro e que acho que veio em muito boa hora. Tivemos o privilégio de receber aqui a Susana Moreira Marques para apresentar Lenços Pretos, um livro de que gosto muito.

No nosso clube de leitura, já lemos vários livros da Penguin. O clube mais concorrido até hoje, que reuniu mais pessoas, foi com um livro que não tenho aqui agora, porque está sempre a esgotar: Caderno Proibido, da Alfaguara.

Nós fazemos por ler autores menos conhecidos, gostamos muito de ler mulheres escritoras e de dar espaço a nomes de que pouco se ouve falar. Neste caso da Alba de Céspedes, íamos todos sem saber bem que leitura teríamos pela frente; tínhamos ouvido falar bem do livro, mas na realidade ninguém tinha lido nada da autora. Foi, até hoje, a sessão com mais participações.
Outra descoberta excelente, feita no âmbito do Clube de Leitura, foi o livro A Falência, de Júlia Lopes de Almeida. Eu não conhecia a autora – acho que praticamente ninguém a conhecia, mas é uma autora brasileira que vale muito a pena ser lida. Desde então, recomendo-a muitas vezes.”

Também recomendo frequentemente dois prémios Nobel: Olga Tokarczuk e Jon Fosse. Já li vários livros da Olga Tokarczuk e tudo o que li dela me agradou. Mas, de todos, destaco o Empúsio, que para além de ser um dos que mais gostei de ler, já foi também uma das leituras do nosso clube.” Já o Jon Fosse é um autor mais difícil, não tão consensual, mas com uma forma de escrever muito peculiar e maravilhosa. Recomendo-o também muitas vezes.

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