Num mundo cada vez mais digital e uniformizado, as livrarias e livreiros independentes são uma espécie de ilhas do tesouro. Espaços de curadoria literária, trazem recomendações personalizadas a cada leitor e permitem fortalecer um sentimento de comunidade.
Assim, assumimos uma missão: durante este ano, vamos dar-lhes o destaque que merecem, entrevistando um livreiro por mês, por esse país fora. Nesse mês, os leitores terão descontos exclusivos em todos os nossos livros comprados na livraria. Começámos pela livraria feminista Greta, em Lisboa.
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A livraria Greta é fruto de um sonho de Lorena Travassos, fotógrafa, investigadora e professora, e do apoio de uma comunidade com vontade de ler mais no feminino. O nome remete, precisamente, para ‘greta’ enquanto abertura para livros escritos por mulheres e pessoas não-binárias. A livraria conta ainda com uma seleção de livros sobre teoria de género e teoria feminista, “que, muitas vezes, não são fáceis de encontrar.”
Além de livraria, a Greta procura ser casa da comunidade que a apoia. Desde a publicação independente, apresentações e leituras, clube do livro, Lorena descreve-a como “um lugar seguro para se pensar, para se ler, para se discutir esses temas”.
Conte-nos como é que surgiu a ideia, primeiro, de ter uma livraria, e depois, que ela fosse feminista…
Eu sempre quis ter uma livraria. A minha formação é em jornalismo e a ideia, quando me formasse, era de abrir uma livraria. Já tinha feito um projeto, um estudo financeiro para fazer isso, quando vivia no Brasil. Só que as coisas não acontecem muito bem de acordo com o que a gente espera nem o que a gente deseja. Então, tive de trabalhar muito e não conseguia investir dinheiro nem tempo nesse sonho. Vim fazer doutoramento aqui em Lisboa e comecei uma investigação que também abordava questões de género. Sempre visitei livrarias feministas em outros lugares da Europa, mas aqui em Lisboa não existia nenhuma.
Então, na época do Covid, que é aquele momento em que a gente começa a repensar tudo, que diminuiu o trabalho e que foi preciso pensar ‘o que é que eu quero fazer’, ‘eu quero seguir meus sonhos’, que eu decidi que ia tentar fazer a livraria feminista, que tinha os temas que me interessavam. Lancei uma campanha de crowdfunding para saber se, em Portugal, havia interesse, porque eu achava muito estranho, não existir ainda. Quando terminou, consegui o valor todo da campanha para fazer um site e comecei com a venda online em 2021.
A Greta é um projeto que, na verdade, desde o início tem apoio de uma comunidade. Tem gente que compra na livraria desde o início, até hoje, que segue, que faz planos de assinatura de um ano, que recebe livros em casa. Foi sempre com o apoio da comunidade.
Os homens também visitam a sua livraria?
Visitam, mas são poucos. Têm aparecido mais homens depois que eu abri a livraria física.
Quando eu estava vendendo só na livraria online, 1% das vendas eram de homens, 99% de mulheres. Mas a maioria dos homens que vem, até hoje, estão sempre procurando comprar livros para a irmã, para a namorada, um presente para uma amiga… Nunca é ‘estou aqui procurando um presente para mim, porque estou com consciência que estou lendo poucas mulheres, e queria conhecer mais.’ É lógico que existem algumas exceções. Já apareceu um homem que disse ‘eu não entendo nada de feminismo, queria que me indicasse algum livro para eu começar a entender sobre isso’.
E acontece uma coisa muito estranha, que é o facto de, às vezes, vir um casal — o homem fica do lado de fora e a mulher entra. Parece uma loja de lingerie, como se eles fossem proibidos de entrar. E as mulheres terminam acelerando o passo, não veem nada direito, porque eles estão esperando lá fora.
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E acontece uma coisa muito estranha, que é o facto de, às vezes, vir um casal — o homem fica do lado de fora e a mulher entra. Parece uma loja de lingerie, como se eles fossem proibidos de entrar.”
Partilhe connosco uma autora que tenha descoberto recentemente.
Alana Portero, autora de Maus Hábitos. É uma autora que está fazendo muito sucesso na Espanha há muito tempo. E que em Portugal vende muito pouco. O que é uma tristeza, porque é uma mulher trans, que escreve sobre uma criança trans. Era muito bom que as pessoas pudessem compreender melhor como é que funciona isso, como é complexa a infância de uma pessoa trans. Além de ser de uma sociedade marginalizada, que é LGBTQI. Foi uma grande descoberta e tenho muita pena que aqui em Portugal não se leiam tanto os livros dela.
Aproxima-se o Dia Internacional da Mulher. Qual é, para si, a melhor maneira de celebrar este dia?
É um dia em que, geralmente, faço greve. Vou para a marcha e não trabalho. Continuam a fazer eventos no Dia Internacional da Mulher, chamando mulheres para trabalhar, o que é muito contraditório, não é? Eu nunca trabalho nesse dia porque acho que é um dia de reivindicação. É um dia que se deve aproveitar para pensar: como está conformada a sociedade; como apoiar as mulheres; pensar nos seus privilégios. Apesar de tudo, também sou branca e tenho os meus privilégios. Acho que este é um dia para pensar em apoiar mesmo as lutas das mulheres. Acho que isso já é suficiente. Não é o dia de dar rosas.
É um dia para pensar em apoiar mesmo as lutas das mulheres. Acho que isso já é suficiente. Não é o dia de dar rosas.”
Que livros recomenda para assinalar o Dia Internacional da Mulher?
Trilogia da Paixão, de Ariana Harwicz, é muito importante, porque fala principalmente sobre maternidade, de como tem gente que sofre com a maternidade, não porque questiona o nascimento da criança, mas com a forma como o corpo se transforma. A questão, também, da depressão pós-parto. A questão de ‘não gosto de ser mãe, mas gosto do meu filho’, essas ideias contraditórias de maternidade. Eu acho que é fantástico para ler sobre isso.
Depois, Melhor Não Contar, de Tatiana Salem Levy. É uma autoficção que fala sobre a questão do abuso, principalmente, abuso infantil. Muita gente já passou por isso e não compreendia, não tinha ferramentas para se pensar sobre isso, para pensar como trabalhar com esse trauma. Também fala sobre o aborto, um tema que vai e volta por causa dos governos de direita. A gente está sempre tentando segurar e debater mais sobre isso, porque é um direito conquistado, mas não há muito tempo.
Gosto muito do Paradaise, da Fernanda Melchor. Não é um personagem mulher; o personagem principal é um homem negro e pobre. Mas mostra como a mulher é objetificada. Como a mulher é tornada sempre objeto de desejo, de sexo, de crime passional. É também um livro que vai mostrar essa violência que está envolvendo sempre a questão de ser mulher.
Finalmente, amo o livro Manual para a Mulheres Limpeza, de Lucia Berlin. Acho que é um dos melhores livros que já li. Tem muitas camadas, porque é um livro que tem várias histórias, que vai passar também por vários momentos, várias crises. E está muito bem escrito. Mostra vários dilemas, também da vida dela, enquanto mulher de limpeza. É um livro que acho que todo mundo deveria ler, porque é maravilhoso.
Se não fosse livreira, o que é que quereria ser?
Escritora. Quando fiz jornalismo, eu achava que ia ser escritora. Tinha escrito um livro para criança, na época. Mas isso foi passando e eu terminei fazendo investigação, escrevendo artigos científicos… e ao mesmo tempo, lendo o tempo inteiro. Então, não sei se um dia vou conseguir escrever algum livro. Não sei, ainda estou investigando a possibilidade.
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Dia 27 de fevereiro, às 19h00, realiza-se, na Greta, uma conversa sobre o livro História da Arte Sem Homens. Mais informação aqui. Dia 6 de março, haverá um encontro de mulheres para ler textos (próprios ou de outras pessoas), que contará com vozes portuguesas, italianas, sul-americanas e mais! Mais informação em breve no instagram da livraria.
Durante o mês de março, os leitores podem contar com um desconto em qualquer livro da Penguin Random House Portugal comprado na Greta!