«Pensas numa linha direita, mas a tua mão fá-la torta. A linha para que olhas agora foi a tua tentativa de a fazer direita. Mas como é torta faz-te imaginar coisas. Desenhas o que imaginas ver.»
Esta é uma história habitada por um núcleo mínimo: uma mãe e um filho cujos encontros passam a ser escrupulosamente programados; em lampejos, surge a neta/filha, que encontramos no exacto lugar da procura de si. A mãe está num lar. O filho, em cada visita que lhe faz, reconstrói uma memória e habitua-se aos novos dias e a cada despedida. Nestas páginas, há uma mão que desenha depressa, e outra que pensa e escreve. Há desenhos em quadrados, como uma melodia em compasso binário.
Este núcleo mínimo ocupa um espaço amplo: a cidade e seus subúrbios. António Jorge Gonçalves descreve uma cartografia enigmática: não sabemos se é dele a presença fantasmagórica, ou se é da própria cidade, despovoada.
O caminho de volta é um mapa do que nos inquieta na paternidade, na doença, na morte, nos dias que passam. O jogo está também aqui: nos desenhos e nas palavras, há pistas, perplexidades, sustos. E tudo isto é devolvido ao leitor, para que ele trace o seu percurso.
Os elogios da crítica:
«A banda desenhada [Dita Dor] que António Jorge Gonçalves criou a partir das suas memórias de infância antes do 25 de Abril é uma preciosidade com muitas camadas de leitura, um espelho duplo a desafiar o abismo do tempo, colocando o olhar de um adulto projectado no seu próprio olhar infantil e recriando os últimos anos de ditadura a partir do que não compreendia, sempre alimentando um agudo desejo de liberdade.»
Sara Figueiredo Costa, Expresso
«No caso de Desenhar do Escuro, e das magníficas vinhetas de uma realidade pesada e até mesmo sufocante mediada pelo simples encontro de um lápis branco em contraste com o papel preto, há sempre uma área considerável do desenho que permanece intocada, oculta e que o traço não chega a iluminar. Como se em cada um destes 82 desenhos encontrássemos tanto o que neles existe e reconhecemos, quanto tudo aquilo que está em falta. O lápis que ilumina é o mesmo que deixa na sombra.»
Gonçalo Frota, Público
«Em Subway life, António Jorge Gonçalves coleccionou os retratos da sua passagem pelas cidades como quem colecciona momentos num diário: recordando-se das cores das roupas que vestiam os passageiros, apontando os dias da semana em que encontrou aquelas pessoas assim como as frases que lhe disseram. […] A sua função era olhar — com o treino, de cidade para cidade, cada vez se concentrava menos no desenho e mais na pessoa. Tinha, em média, 5 a 8 minutos. Não dava tempo de pensar no estilo, mas era tempo suficiente para sentir que tinha, de alguma forma, tido um encontro com aquela pessoa.»
Susana Moreira Marques, Público