A 3 de Agosto de 1968, no forte de Santo António da Barra, António de Oliveira Salazar, líder da mais longa ditadura europeia, preparava-se para arranjar os pés com o seu calista quando, inesperadamente, a cadeira onde se sentara parte-se e o ditador cai redondo, batendo com a cabeça na pedra dura do chão. O período que se seguiu roçaria o insólito, com uma longa e barroca encenação de poder e normalidade até ao dia da morte de facto do ditador.
Na sequência da famosa queda da cadeira, Marcello Caetano é chamado a substituir Salazar no cargo de presidente do Conselho. No entanto, num país pidido entre os que apoiavam o regime e os que eram aterrorizados pela mão-de-ferro repressiva da PIDE, a situação semicomatosa de Salazar foi mantida em segredo, inclusive do próprio. Ao longo dos dois anos seguintes, o seu gabinete encenava, diariamente, uma farsa para manter o ditador na ignorância sobre a mais real das quedas: a do poder.
Reuniões de conselho e visitas de Estado, entrevistas de rádio e televisão, até uma impressão diária exclusiva do Diário de Notícias – um quotidiano imaginário e escrupulosamente montado para manter na ilusão de poder o líder de um governo autoritário e brutal, responsável pela morte de 22 800 portugueses.
Baseando-se nos testemunhos recolhidos dos 20. 000 resistentes presos pela PIDE e das suas práticas implacáveis de terror, Marco Ferrari, escritor e jornalista, devolve à nossa memória colectiva a verdade sobre os dois estranhos anos em que Portugal viveu em coma, com um velho ditador que já não o era.
Uma investigação minuciosa a um período em que a realidade superou a ficção: a queda de Salazar – da cadeira, do poder e da vida.
Um livro importante e admirável que nos relembra a aversão do poder à mudança e quão ridículo e devastador é o autoritarismo.