- O que te inspirou a escrever este novo livro, Filha da Louca? Houve algum momento ou experiência na tua vida que tenha dado origem a esta história?
Tudo começou com uma notícia que li, de um caso muito triste: uma mulher, mãe, foi condenada por homicídio qualificado por omissão de auxílio da filha. (Apesar de ter sido uma história que mereceu a atenção dos media, prefiro não referir o nome da vítima nem dos agressores, agora a cumprirem pena.) O que interessa, para responder a esta questão, é explicar-vos que depois de ler esta notícia — que me chocou profundamente — fiquei a matutar numa pergunta: como é que esta mãe não ama a filha? Porque é que não a tentou salvar? Foi aí, talvez por defesa — porque me custa acreditar que falhemos em coisas tão básicas como cuidarmos de quem trazemos ao mundo —, que pensei que talvez esta mãe (e outras, que de vez em quando sabemos terem magoado os seus filhos) pode ter alguma doença, alguma coisa que a impedisse de reagir de maneira diferente, de ser melhor por ainda não estar a ser acompanhada… E comecei a pesquisar sobre o tema, a ler testemunhos de homens e mulheres que têm transtornos de personalidade e de que forma afetam as suas relações.
- A mãe da personagem principal sofre de perturbação de personalidade borderline, um diagnóstico relativamente recente e pouco conhecido da generalidade das pessoas. Escrever este livro acabou por ser uma forma de saberes mais sobre esta doença mental? Ou de chamar atenção dos leitores para as doenças mentais?
Sim. Uma das razões pelas quais gosto tanto de escrever está relacionada com a oportunidade que tenho de estudar coisas diferentes: posso ficar obcecada com um tema, uma época, uma pessoa, uma doença, um objeto — o que acaba por acontecer — e ler sem parar, escrever sem parar, anotar coisas sem parar, e isso alimenta a minha curiosidade e imaginação. Lembro-me de estar a meio da leitura do livro Refém das próprias emoções, do psiquiatra João Carlos Melo — que recomendo —, e de pensar que nunca tinha refletido sobre aquilo, que estava realmente a aprender e que podia transpor para a ficção uma personagem assim, que não tinha encontrado essa representação, que era importante.
- A Cicatriz foi o sucesso que sabemos. Isso condicionou a escrita deste novo livro, a pressão que sentias era muita?
Senti, acima de tudo, que é um privilégio e uma alegria muito grande sentir-me pressionada pelos leitores para escrever e entregar um novo livro: «há quem me queira ler?!».
- A epígrafe do teu novo livro é um verso de uma música do Slow J que fala de momentos conturbados nas relações. Porquê esta escolha? Foi a banda sonora dos teus dias de escrita?
O Slow J é um dos meus artistas preferidos e a música que escolhi para o início do livro, Ultimamente, foi a que mais ouvi no último ano. É sobre amor, dor e esperança: tal como ele, que nesta música diz sentir «acordar a levar na cabeça» e «adormecer a levar nos cornos», as personagens principais deste livro, a Clara, a Matilde e o António, vivem — sobrevivem — com uma perceção clara de que a vida talvez devesse ser mais leve, ainda que não saibam ou não queiram ver o que a pesa.
- «Sem pais, não há antes; sem filhos, não parece haver depois.» Esta frase do teu livro foi escrita antes de saberes que ias ser mãe? Esta notícia fez-te reescrever alguma parte da história ou mudar o desfecho de alguma personagem?
No dia em que soube que estava grávida olhei para o computador e ri-me: «daqui a uns anos este rapaz ou esta rapariga — ainda não sabia — vai perguntar-me porque é que no ano em que nasceu a mãe escreveu um livro sobre uma mãe “louca”. Não creio que alguma coisa se tenha alterado por causa da notícia, mas estou certa de que se reescrevesse o livro daqui a dois anos já seria muito diferente. Pelo que me dizem, todos mudamos após sermos pais.
- O que gostavas que os leitores levassem da leitura deste livro?
Não tenho expetativas. A decisão de vos entregar um livro — a vocês, Penguin, certa de que ajuizarão se faz sentido entregá-lo depois a vocês, leitores — parte de um exercício de distanciamento que tento fazer. «Isto tem interesse? Alguém pode gostar? Identificar-se? Passar um bom bocado nestas páginas? Encontrar companhia? Ter esperança?»
- Já estás a trabalhar num próximo?
Estou sempre a escrever. Gostava de me aventurar noutro género literário, saltar de pé: talvez um thriller? O que acham?