Mariajo Ilustrajo: «Se alguém não gosta de ler é porque ainda não encontrou o seu livro»

Subtil e sofisticado, o álbum de estreia da espanhola Mariajo Ilustrajo, A Inundação, uma fábula distópica e atual sobre alterações climáticas, trouxe-lhe vários prémios e reconhecimento internacional imediato. O livro seguinte, Perdido, escrito antes mas publicado depois, foi inspirado pela mudança da jovem autora para o Reino Unido. E agora chega a vez de algo muito diferente, mas também inspirado na sua experiência enquanto criança que não gostava de ler: Eu (Odeio) Adoro Livros.
Mariajo não se considera escritora, mas sim alguém que cria histórias a partir de imagens que se ligam.

 

 

Estreou-se com A Inundação, que arrebatou vários importantes prémios e distinções da crítica (também em Portugal, não sei se sabia!). Como nasceu este livro tão carregado de significados?

Criei este livro durante o meu mestrado em Ilustração de Livros Infantis na Universidade Anglia Ruskin, em Cambridge. Tudo nasceu de uma única imagem que fiz como experiência com processos de impressão tradicionais. Era um bando de animais a caminhar na plataforma de Oxford Circus, impresso numa litografia a três cores.

O meu tutor na altura achou que era uma cena muito narrativa e que eu deveria desenvolver uma ideia a partir daí, por isso foi o que fiz. Comecei apenas a esboçar alguns outros animais em diversas cenas. Um dia, ao regressar a casa da universidade, chovia muito e tive a ideia de que talvez a cidade desses animais estivesse “inundada”. Continuei a desenhar estes animais usando potes debaixo de água para poderem respirar, óculos de natação, barbatanas… A dada altura começou a ser uma espécie de guião de filme, pois havia muitas coisas a acontecer e, para ser sincera, nada fazia muito sentido.
Não me considero uma escritora, por isso a minha maneira de criar histórias é esboçar o que tenho na cabeça e depois ligar os pontos. Aos poucos, a história começou a tomar forma de um modo muito orgânico.
Claro que este foi apenas o primeiro rascunho. Quando comecei a trabalhar com o meu editor, melhorámos ainda mais a história.

 

O livro seguinte que a Fábula publicou, Perdido, foi também finalista e nomeado para vários prémios e listas. Depois do sucesso de A Inundação, sentiu a pressão em relação ao livro seguinte?

Bem, uma curiosidade: Perdido foi escrito antes de A Inundação, mas publicado depois. Foi o primeiro livro que escrevi, mas essa pressão definitivamente aconteceu com o meu terceiro livro, Eu (Odeio) Adoro Livros. E com os seguintes! Estabelecer um padrão tão alto para começar cria muita pressão!

 

As suas ilustrações destes dois livros criam ambientes de certa forma melancólicos, mas acolhedores, pacíficos. Os finais são esperançosos. Mesmo em A Inundação, que aborda uma catástrofe, sentimos algo parecido com conforto. O que pretende transmitir?

Para ser honesta, quando começo a trabalhar num livro, não penso na mensagem que quero transmitir ou em dar lições de moral. Acho que apenas crio um conceito, uma pequena ideia ou simplesmente um personagem ou algo que quero experimentar. Depois, aos poucos, vou juntando as peças e então a história aparece. Penso que apenas falo sobre o que sei ou sobre o que me rodeia. Por exemplo, Perdido é diretamente influenciado pela minha própria experiência quando me mudei para o Reino Unido.

 

Agora estamos a lançar Eu (Odeio) Adoro Livros com uma temática completamente diferente. Como surgiu a ideia para este novo livro?

Esta pergunta é a mais fácil! De novo, a história é baseada na minha própria experiência. Eu era uma péssima leitora quando criança. Na verdade, detestava ler. Mas graças às minhas irmãs (daí a dedicação a elas), descobri o amor pelos livros, ou melhor, descobri que há um livro para cada um. Acho que era isso que eu queria mostrar! Que se alguém não gosta de ler é porque ainda não encontrou o seu livro!

 

Infelizmente, assistimos a um aumento de tempo de exposição a ecrãs e a uma redução de tempo de leitura. Em que medida é que livros como estes podem contribuir para despertar o prazer de ler?

Hmmm… Este é um tema muito quente. Espero que a resposta seja que este tipo de livro incentive os pequenos a ler mais. Mas acho que cabe aos adultos educar e dar um exemplo saudável.
Preocupa-me o facto de as pessoas abusarem dos ecrãs, sobretudo dos telefones (como é o meu caso, infelizmente) e desde que fui mãe, tenho mais consciência disso e tento fazer um esforço para reduzir esse tempo, para dar o exemplo. Fico muito triste quando vejo crianças pequenas num carrinho de bebé já com um telefone ou à hora do jantar, para os pais terem um momento tranquilo. Por isso, espero que este livro ajude as crianças a descobrir o prazer de ler e a mergulhar em mundos mágicos!

 

Esta entrevista será publicada num site dirigido a professores. Quer deixar uma mensagem para quem tem esta difícil e importante missão de aproximar as crianças da leitura?

Só posso concordar que é uma missão muito difícil no clima atual em que estamos rodeados de tecnologia, mas é muito importante incentivar a leitura dos miúdos. Para mim, que nunca fui uma boa aluna quando era pequena, achava ler muito aborrecido porque a lista de leituras era muito prescritiva e ultrapassada. Claro que compreendo a importância de ler clássicos, mas para mim foi um livro aborrecido atrás do outro. Por isso sempre pensei que se tivesse melhores opções teria aproveitado mais. Na verdade, gostei muito quando li algo que me envolveu verdadeiramente.

 

Partilhar:
Outros artigos: