Com selo da Nuvem de Letras, Como Chegar à Lua é o primeiro livro do argentino Nicolás Schuff publicado em Portugal. Autor de uma obra híbrida, que pode ser apreciada por crianças e adultos, o premiado escritor estreia-se com um conto terno e intemporal sobre a relação entre um neto e o seu avô, ambientado na natureza e magicamente ilustrado pela espanhola Ana Sender.
Este pequeno tesouro literário incitou-nos a conhecer melhor a obra e o percurso deste autor original.
Lemos numa entrevista que foste livreiro e instrutor de yoga. Podes contar-nos como te tornaste escritor?
Primeiro tornei-me um leitor. A leitura levou-me a escrever. Isso aconteceu na minha adolescência. Comecei nesta idade, como forma de compreender melhor os meus pensamentos e como forma de brincar e pesquisar sobre a linguagem e a realidade. E continua assim.
Acaba de sair Como chegar à lua, que é o teu primeiro livro publicado em Portugal. Qual a origem desta história? Estamos curiosos…
Cresci em Buenos Aires, mas os meus avós viviam noutra província da Argentina, num ambiente mais rural, perto do rio. Eu visitava-os todos os verões e tenho lembranças maravilhosas daqueles dias. Comecei a escrever esta história a pensar neles.
Dás muita importância ao trabalho com a linguagem, aos jogos de palavras, à desconstrução de lugares-comuns. A linguagem pode ser uma forma de liberdade, de resistência?
Como pensamos com palavras, e em algum momento somos feitos de palavras, distorcer a linguagem, brincar com ela, perdê-la, estabelecer associações inusitadas ou novas pode ser uma maneira de escapar ou desviar da lógica quotidiana, de ouvir novamente, de nos renovarmos, de focarmos em nós mesmos e no mundo com uma perspetiva diferente. Agora recordo-me, por exemplo, dos koans Zen, em que o discípulo faz uma pergunta e o mestre responde algo misterioso, desviante, imprevisível.
Lemos também que não fazes grande distinção entre literatura para crianças e literatura em geral. Podes falar-nos sobre isso?
Existe literatura para os idosos? Literatura para jovens adultos, solteiros ou carecas? Estas divisões têm a ver com uma necessidade ou conveniência fora da literatura. Acredito que a literatura surge de uma necessidade humana de dar uma determinada forma, com determinadas ferramentas, à experiência de viver. Quando alguém se propõe escrever tendo em mente um público definido, começam a operar questões secundárias, não relacionadas com a literatura.
Como foi a tua infância e adolescência? Como te tornaste leitor?
Sempre houve livros em minha casa. Os meus avós e os meus pais eram leitores. Eu não era um grande leitor quando era criança, mas, na adolescência, a leitura tornou-se um refúgio, uma companhia e uma fonte de perguntas e descobertas. Fernando Pessoa foi um dos meus primeiros amores literários e continua a ser.
A biografia que tens no teu website é muito sugestiva. Enumera detalhes que parecem aleatórios, mas formam uma pequena história. É um exercício que recomendas, tentarmos escrever a nossa história?
Esta biografia é baseada no livro Auto-retrato do francês Edouard Levé. É um livro inspirador e brilhante porque pinta um retrato de uma vida e de uma personagem através de pormenores, anedotas em poucas linhas, gostos, peculiaridades, memórias, um pouco como um impressionista. Utilizando o mesmo modelo, Georges Perec escreveu o seu livro Eu Lembro-me. A mexicana Margo Glantz fez o mesmo. Outro excelente autorretrato do norte-americano Jesse Ball foi recentemente publicado. Sim: Recomendo a todos que façam o exercício utilizando este modelo.
O que podes partilhar da tua experiência com crianças e jovens leitores? Como leem e o que leem?
Entre os jovens, quando se sentem à vontade, costumo encontrar leitores muito originais e criativos. Noto com agrado que as escolhas de leitura que fazem têm muitas vezes a ver com recomendações que circulam entre eles, mais do que das obrigações escolares ou das sugestões que recebem dos adultos.
Por fim, que outro livro teu deveríamos mesmo publicar em Portugal?
Vou referir três: Mis Tios Gigantes, Las Interrupciones e Así queda demostrado (os dois últimos foram traduzidos para português no Brasil).