Três homens, uma identidade inventada num minuto e um fenómeno chamado Carmen Mola

Certo dia, três amigos decidiram escrever um romance por pura diversão. Para isso, precisavam de um nome fictício. Isto porque “ninguém iria ler um livro onde aparecessem três nomes na lombada”, explicou Jorge Díaz a 15 de outubro de 2021, quando a atribuição do Prémio Planeta revelou o maior mistério da literatura desde Elena Ferrante.

O pseudónimo foi fruto de uma junção aleatória de nomes atirados para cima da mesa. Um deles disse “Carmen”, outro sugeriu “Mola” e a questão ficou resolvida em menos de um minuto. O facto de terem escolhido uma identidade feminina foi, garantiram Jorge Díaz, Agustín Martínez e Antonio Mercero, igualmente um acaso.

O percurso de Carmen Mola, até chegar ao fenómeno que atualmente cativa mais de 600 mil leitores, começou em 2018. Nessa altura, María Fasce, editora da Alfaguara Negra e Lumen (em Espanha), recebeu um manuscrito que a deixou fascinada. Tratava-se de A noiva cigana. Violento e impactante, o livro tinha no centro crimes macabros e dava início à história da inspetora Elena Blanco.

Em poucos meses, a obra (editada em Portugal pela Suma de Letras) transformou-se em fenómeno de vendas. Seguiu-se A rede púrpura, o segundo volume da trilogia, disponível em todas as livrarias portuguesas desde 10 de outubro. Além da escrita e da narrativa hipnotizantes, claro que o mistério em torno da suposta autora, que começou a ser descrita como a «Elena Ferrante espanhola», ajudou.  Até ao ano passado, o pouco que se sabia sobre ela resumia-se a uma minúscula biografia, acompanhada pela foto a preto e branco de uma mulher de costas. «A autora, nascida em Madrid, decidiu manter o anonimato» era a justificação.

Depois de garantirem vários livros nos tops de vendas, chegou o reconhecimento da indústria literária. A besta — sobre o assassinato de crianças pobres em 1834, durante a epidemia de cólera em Madrid, não faz parte da coleção de A noiva cigana — foi a obra vencedora do Prémio Planeta em 2021. Além do prestígio, a distinção equivale a um milhão de euros, mais do que os cerca de 900 mil euros que o Prémio Nobel da Literatura garante.

Quando os três escritores subiram ao palco para receber o prémio, a plateia – que incluía o rei de Espanha, Filipe VI – ficou estupefacta. Mais tarde, em entrevista ao jornal El País, Jorge Díaz confessou: “Temos mentido como patifes há quatro anos e uns meses”.

Cada um deles já tinha livros publicados e carreiras em produções televisivas. Antonio Mercero é filho do criador do mítico Verão Azul, assinou Hospital Central e foi guionista de MIR. Jorge Díaz também trabalhou em Hospital Central e Hermanas, escreveu Cartas a Palacio e Yo Fui a EGB. Agustín Martínez escreveu Monteperdido: a vila das meninas desaparecidas, editado em Portugal pela Suma de Letras.

O mistério do nome pode estar resolvido, mas as tramas elaboradas que atiram os leitores para inúmeras direções continuam mais obscuras e intrigantes do que nunca nos thrillers psicológicos de Carmen Mola. A noiva cigana já ganhou uma adaptação televisiva em Espanha e, tendo em conta o sucesso internacional deste universo, é possível que chegue entretanto a Portugal através de um serviço de streaming. Até lá, A rede púrpura é para ler da primeira à 376.ª página quase sem fôlego.

Partilhar:
Outros artigos: