Vanessa Barbara: «Não esperava essa gigantesca avalanche de “eu também”»

Só agora chegou a Portugal, com o romance Três camadas de noite, mas Vanessa Barbara já é um nome sólido da literatura brasileira.

Começou a carreira no jornalismo, onde trabalhou mais de 20 anos, tendo colaborado com reportagens e crónicas em meios como a Folha de S.Paulo, The New York Times, The New York Review of Books ou a revista Granta. Tem onze livros publicados de géneros diferentes, que lhe valeram vários prémios: ganhou o Prix du Premier Roman Étranger, em França, com o romance Noites de Alface, publicado no Brasil em 2013, traduzido para seis idiomas e adaptado a filme; ganhou o Prémio Jabuti de melhor Livro-Reportagem com O Livro Amarelo do Terminal, e o Prémio Paraná de Literatura com o romance Operação Impensável. Foi ainda escolhida pela revista Granta na edição 20 Melhores Jovens Escritores Brasileiros.

Recentemente, tem estado nas bocas do mundo, depois de ter feito uma denúncia num podcast que despoletou aquilo que ficou conhecido como o #meetoo brasileiro, com várias demosntrações de apoio e denúncias subsequentes.

Falámos com a autora.

 

Três camadas de noite tem referências a autores que sofreram de depressão, como Sylvia Plath, Clarice Lispector, Franz Kafka… Como foi o processo de explorar essa ligação entre saúde mental e criação literária, e o que é que aprendeu ao mergulhar na vida e obra destes autores?

De início, ler sobre a vida de outros escritores era a única coisa que eu era capaz de fazer: me interessava saber sobre o quotidiano de escritoras e escritores com filhos e/ou com depressão. Como eles conseguiam produzir qualquer coisa nessas situações? Como faziam para calar as ruminações e produzir qualquer coisa, uma linha que fosse? A que horas eles acordavam? Como ganhavam a vida? Como descreviam seus transtornos mentais em suas cartas e produções ficcionais?

Selecionei Plath, Lispector, James e Kafka porque de alguma forma eles foram “conversando” com a minha experiência ao longo dos meses, em suas similaridades e oposições: Plath tentando desesperadamente sobreviver ao inverno, Lispector incapaz de sentir qualquer coisa, James pulando de cidade em cidade, Kafka trocando o dia pela noite…

 

O livro fala sobre a experiência da maternidade e relata dificuldades que são sentidas por muitas mulheres. Sente que a literatura contemporânea tem explorado este tema de forma sincera e plural?

Acho que ainda há muito a ser feito, mas nos últimos tempos estamos tirando um pouco o atraso. Penso em Jenny Offill, Elena Ferrante, Sheila Heti, Sarah Manguso, Szilvia Molnar, Heidi Julavits, Rachel Cusk…

 

A Vanessa escreve com humor sobre temas sérios. Esse humor faz parte do seu dia a dia? Acha que o humor pode ser uma boa estratégia para partilhar assuntos sobre os quais seria difícil falar de outra forma?

Acho que o humor não é uma chave à parte que você pode ligar e desligar, mas um jeito de olhar o mundo que perpassa tudo. Ou seja: não daria para “cortar” as partes engraçadas desse meu livro, porque o livro não é só sobre depressão ou maternidade, mas também sobre um jeito bem peculiar de existir no mundo. Seja lá qual for o assunto. Acho que foi o Julio Cortázar, em um artigo sobre A volta ao dia em oitenta mundos, que disse que o humor é all pervading ou não é.

 

Foi convidada recentemente para um podcast, no Brasil, onde falou sobre situações traumáticas do seu passado e isso acabou por ter uma repercussão muito grande. Como é que se tem sentido após a partilha e qual tem sido a reação do público ao que contou?

Estou muito, muito leve. No podcast, falei sobre um relacionamento abusivo que tive uma década atrás e sobre a misoginia dominante no meio editorial brasileiro. Tenho recebido uma tonelada de mensagens de apoio e dúzias de relatos de mulheres que passaram por situações bastante parecidas. Foi o que me motivou a falar publicamente sobre isso: a certeza de que o meu relato ecoaria em tantas outras mulheres. E ainda assim, eu não esperava essa gigantesca avalanche de “eu também” do público em geral. Já dentro do meio editorial, recebi menos solidariedade e mais tentativas de desqualificação – o que já era esperado.

 

Por último, já tem alguma ideia para o seu próximo livro? Há algum tema sobre o qual gostasse de escrever e ainda não o tenha feito?

Gostaria de escrever sobre notívagos, sobre como é viver durante a madrugada. Mas não tenho nenhum projeto em vista por enquanto.

 

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