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«As coisas importantes precisam de tempo, de pausa e de silêncio»

, na categoria: Destaque, Entrevistas, Nuvem de Letras

O Tempo, assim com maiúscula, é coisa de respeito, tema de filósofos, pensadores, escritores «difíceis» e, claro, poetas, que são as pessoas preferidas dos pássaros (a seguir aos avós), e as que melhor sabem falar de coisas imensas com palavras próximas.
Tempo é uma palavra que se empresta ao mar é o segundo livro de Raquel Patriarca publicado na Nuvem de Letras. Desta vez, a poeta traz consigo Vítor Hugo Matos, que com ela embarcou nesta autêntica viagem no Tempo. Regressados e refeitos, autora e ilustrador estão prontos a partilhar o Tempo com os leitores. E contam-nos como tudo começou…

 

Como nasceu este livro?

RP: Este livro, que é uma pequena reflexão sobre um grande tema, nasceu na sequência de um conjunto de histórias, aparentemente simples e descomprometidas, que têm o objetivo de explorar conceitos complexos. O Tempo foi um dos primeiros conceitos a ganhar forma, mas também a Diferença e o Outro, a Perfeição e a Identidade.
O tempo é, provavelmente, o mais importante para mim que sou uma pessoa precisada de alguma lentidão e de tempo livre. Faz-me falta o tempo para processar e assimilar as coisas à minha volta. São-me demorados os processos de questionamento, compreensão e criação. Preciso de ter pausas em que não faço nada para voltar a sentir vontade de criar algo novo. O que faço depressa, normalmente resulta em asneira, ainda que o fazer as coisas devagar não garanta nenhum grau extraordinário de sucesso, só mais esperança.

VHM: No meu caso nasce de um convite lançado pela Célia Louro. Um desafio aceite imediatamente após ler o texto. Foi amor à primeira leitura.

 

O título, desde logo, é muito curioso. Qual a história deste título?

RP: O título procura estabelecer, logo à partida, uma relação entre ‘o verbo e a coisa’, a palavra e o conceito que a palavra nomeia. Brinca com essa liberdade que temos de escolher as palavras e de como as palavras que escolhemos são definidoras do valor que emprestamos às coisas. Ao próprio tempo, por exemplo, ou ao mar.

VHM: O título a mim diz-me muito. Foi como se de um autorretrato se tratasse. Não conhecia a Raquel Patriarca previamente, mas suponho que partilhamos as mesmas sensibilidades.

 

Como foi o processo de trabalho entre autora e ilustrador?

RP: Para mim foi absolutamente encantador. O Vitor é de uma generosidade absoluta e de uma paciência infinita. Todas as conversas que tivemos, todos os meus pedidos e sugestões vieram a dar em mudanças e novidades nas imagens. Todos os brinquedos que aparecem representados no livro existem, de facto, aqui em casa, exceto um, que de tão antigo agora já só existe nas ilustrações do Vitor, um presente de aniversário dos meus três ou quatro anos de idade que o Vitor reproduziu na perfeição a partir de uma fotografia antiga e de uma descrição escrita por mim.
A nossa troca de mensagens e experiências permitiu integrar os nossos livros favoritos, mas também detalhes dos nossos filhos e das nossas preferências emocionais e vivenciais.
Este diálogo, parece-me, enriqueceu muito o conjunto do livro e estou muito contente com o resultado.

VHM: Não podia ter sido melhor. Foi tudo muito natural, tanto na interpretação do texto como na tomada de decisões. Penso que construímos uma boa equipa. É um livro cheio de curiosidades bonitas e apontamentos pessoais, que deixo aos leitores a sua descoberta.

 

Que lugar vem este livro ocupar no conjunto da vossa respetiva obra e no panorama da literatura infantojuvenil nacional?

RP: Bem, esta é uma pergunta difícil de responder. Para mim, em particular, e no conjunto do que chamas ‘minha obra’, é um livro importante porque trata de um tema que me é muito caro e que, por isso mesmo, me será fácil de partilhar e trabalhar.
Não sei bem dizer o lugar que este livro ocupará no panorama da literatura infantojuvenil nacional, mas vivemos num mundo de demasiada pressa e as coisas importantes – como o pensamento, a criatividade, o amor, a observação – precisam de tempo, precisam de pausa e de silêncio também. O que estou a tentar dizer é que gostava que o panorama da literatura infantojuvenil nacional dedicasse algum tempo a esta nossa reflexão, e espero que tenhamos sido capazes de o merecer.

VHM: Em primeiro lugar estou muito grato por ter tido a felicidade de receber este convite e merecer a confiança para continuar a ilustrar e criar o meu caminho na área da literatura infantojuvenil.
Tive muita liberdade criativa, o que me proporcionou a consolidação da minha identidade artística. Este livro foi também uma forma de eu experimentar gamas cromáticas, materiais, conceitos, grafismos e o meu lado mais introspetivo e poético.
Acredito que o livro ganhará o merecido destaque pela beleza das palavras e a ideia de abordar a passagem do tempo para sublinhar as coisas que merecem realmente ser vividas.

 

«Correr contra o tempo», «Sem tempo a perder», «Dar tempo ao tempo». Há muitas expressões com esta palavra. Inventem uma que defina a vossa relação com o tempo?

RP: «Estar sossegada como o Tempo» parece-me uma ideia ganhadora e cheia de esperança.

VHM: Usar o tempo para o fazer parar. Só assim nos apanhamos um ao outro.

 

Que relação com o tempo marcou a vossa infância?

RP: Eu tive uma infância bastante feliz e livre. Houve um tempo em que havia tempo, e energia também, que chegava para tudo, embora me parecesse que era sempre pouco. Parar um jogo a meio da tarde por conta da merenda era, para mim, um desperdício absurdo de brincadeira.
Por outro lado, talvez pelo tempo que passei com os meus avós, e ao redor dos avós o tempo corre de outra maneira, aprendi a saborear a calma que as coisas necessitam.
Acredito, e tenho pena por isso, que fui uma privilegiada nesse sentido e que hoje em dia a infância parece passar mais depressa.
Uma das fases mais infelizes da minha vida foi quando, depois de ir para a escola, percebi que tinha deixado de ter tempo para brincar. Hoje, já pouco brinco, é verdade, ou então, uso o brincar com as palavras para substituir o outro brincar que já não me assiste.

VHM: Acho que o meu lado infantil dos dias de hoje se deve ao tempo de ser criança que me foi permitido ter. Não quero sair dela, na infância o tempo não se perdia, nem era perdido.

 

Que propostas têm para trabalhar este livro com a comunidade escolar e as bibliotecas?

RP: Ler o livro, logo para começar. Saber quais são as atividades que, para cada um dos leitores, merecem que lhes seja dedicado mais tempo, mirabolar planos para que assim seja – planos complicados porque, às vezes, para entregarmos tempo a uma coisa, temos de o ir roubar a outra. Desafiar a vários tipos de relacionamento com a passagem do tempo, com o tempo que dedicamos aos outros, com o tempo que dedicamos a nós mesmos e à pausa da correria para onde somos constantemente empurrados.

VHM: O ideal será serem as próprias crianças a dizer como querem usar o seu tempo. Talvez isso as levasse a pensar nos seus direitos e transmiti-los aos adultos. O tempo para uma criança é uma brincadeira, elas são imortais.

 

Nomeiem uma coisa a que gostariam de dedicar mais tempo e outra menos.

RP: Mais tempo a viajar. Seja onde for. Menos tempo a arrumar coisas. Seja o que for.

VHM: Gostaria de dedicar mais tempo à minha filha, que me ajudou na criação deste livro e foi quem me inspirou a entrar no mundo da ilustração infantojuvenil.
E se fosse possível gostaria de dedicar menos tempo às coisas que a minha filha não gastaria o seu tempo.

 

Sugiram uma leitura para leitores apressados e outra para leitores demorados.

RP: Para leitores apressados, vou sugerir o livro de poesia Paz traz Paz do Afonso Cruz. Pode ser consumido na razão de um poema por dia e não demora nada.
Para leitores demorados, vou sugerir As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain… cá por coisas

VHM: Para leitores apressados, Dobra, de Adília Lopes. Para leitores demorados, Os Transparentes, de Ondjaki.

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