Para celebrar o Dia do Autor Português (22 de maio), desafiámos três dos autores infantojuvenis mais lidos e acarinhados pelo público a partilhar ideias sobre o seu ofício e sobre a forma como veem o futuro da literatura para crianças e jovens. Uma opinião comum: os livros não vão acabar.
1. Qual o maior desafio de escrever para crianças e jovens?
2. Que livros / autores para a infância mais contribuíram para formar o teu gosto e te inspiraram a escrever?
3. Perante o avanço das tecnologias e do mundo digital, como vês o futuro dos livros e da literatura para a infância e juventude?
Margarida Fonseca Santos (coleção A Escolha É Minha, entre outros títulos)
1. Penso que o maior desafio (talvez até o maior perigo) é escrever para provocar a reflexão, e nunca querer “ensinar” formas de pensar. Faz parte da minha escrita este constante cuidado, respeitando o leitor, levando-a a pensar por si e não como eu penso. Há muita literatura para crianças com um pendor moralista, com remates explicativos que condicionam apenas uma interpretação. A meu ver, toda a literatura deverá provocar muitas interpretações diferentes (mesmo que o leitor seja o mesmo e esteja a abordar o livro de novo, num momento diferente), respeitando o direito do leitor de pensar por si. É uma batalha constante, mas que acho fundamental, e os encontros com leitores confirmam que faz sentido, ao exporem as suas opiniões sobre os livros e assuntos, o que é muito gratificante.
2. Bom, eu já sou um bocado antiga… No meu tempo, havia poucos livros para a infância (lembro-me dos contos da Verbo, para mim eram mágicos). O meu gosto foi construído em inglês, na escola onde andei em pequena – liam-nos histórias todos os dias, muitas vezes as mesmas, mas era o nosso momento. Quando passei para o ensino em português, foi um choque não haver biblioteca de sala e biblioteca de escola! Aprendi a ler depressa para voltar aos livros. A maior influência terá sido a leitura de contos tradicionais portugueses (recolhas de Branquinho da Fonseca) e, talvez até cedo demais, a coleção RTP, mergulhando logo na literatura dita de adulto. Leio compulsivamente, desde essa altura, e foram autores como Manuel da Fonseca, João Aguiar, Helena Marques, Mário de Carvalho, que me levaram até à escrita, tantos anos depois.
3. Não tenho qualquer receio acerca do futuro. O mundo digital irá acrescentar novas abordagens, não vai desviar a atenção da leitura, nem substituir os livros. Eu, que leio tanto mas tenho muita dificuldade em segurar nos livros, leio quase tudo em e-book, ando com muitos livros para todo o lado. A literatura para os mais pequenos é muito mais física, manuseando livros, cheirando, voltando atrás. Mas a possibilidade de partilhar digitalmente, com alunos que não têm capacidade financeira para comprar livros, uma obra literária é muito valiosa. Há lugar para os vários suportes, vejam-se as visitais virtuais a museus – o importante é fazer chegar a Arte a todos.
Maria Francisca Macedo (autora da coleção O Clube dos Cientistas, entre outros títulos)
1. Na maior parte dos dias sinto que escrever para jovens é simples. Sinto-me assim sempre que consigo permanecer no mesmo espírito que os meus leitores. Fascinar-me, sentir intensamente, deixar-me surpreender, tecer relações inesperadas, questionar as coisas, inquietar-me. O maior desafio ao escrever para crianças e jovens está nos dias em que acordo irremediavelmente adulta.
2. As minhas férias de verão eram passadas na aldeia, onde havia uma única estante com livros para adultos. A coleção do meu avô era maravilhosa: os “Poirot”s de Agatha Christie, e os clássicos de aventuras como As Viagens de Gulliver e o Conde de Monte Cristo. No interior de Portugal, a meio do dia, o calor abrasador instala-se e só faz sentido ficar à sombra: foi assim que comecei a apaixonar-me por aventuras e mistérios. Os livros para crianças vieram depois e foram outra grande descoberta: Harry Potter, por exemplo, mostrou-me a espetacularidade que era conversar com outros sobre o que lia, agora que finalmente lia o mesmo que os meus amigos.
3. Não é por termos melhores ténis que deixamos de precisar de camisola. Mesmo quando queremos investir mais dinheiro a escolher ténis, mesmo quando queremos mais tempo para treinar com eles: continuamos a precisar de vestir camisolas. Acredito que os livros são essa camisola: podemos vesti-los, variá-los; influenciam o nosso dia e podemos adequá-los ao nosso estado de espírito. Não vamos deixar de ter camisolas nas lojas. Os livros são necessários.
Nuno Caravela (autor da coleção O Bando das Cavernas, entre outros títulos)
1. Para mim, o maior desafio de escrever para crianças e jovens é conseguir o equilibrio certo entre narrativa e conceito, de modo a criar um mundo ficcional em que os leitores se revejam e acreditem como se fosse real.
2. Que livros / autores para a infância mais contribuíram para formar o teu gosto e te inspiraram a escrever?
Felizmente, foram muitos os livros que me transportaram para mundos fantásticos durante a infância. Os três que vou destacar fascinavam-me especialmente e talvez tenham mesmo influenciado a minha escrita: «Alice no País das Maravilhas» e «Alice do Outro Lado Do Espelho» de Lewis Carroll e também «O Livro da Selva» de Rudyard Kipling.
3. Vejo com otimismo. Apesar de cada vez mais avançada e apelativa, na tecnologia há pouco espaço para a imaginação. Os jogos e os filmes são exemplo disso. Está tudo lá, não é preciso imaginar nada. Na literatura acontece precisamente o contrario. Há um jogo constante entre a imaginação de quem lê e a imaginação de quem escreve, do qual resulta uma espécie de versão individual para cada leitor da obra original. E todos gostamos de imaginar.
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