«Para Tchékhov, a literatura infantil, enquanto género, parecia-lhe uma construção artificial e desnecessária: as crianças deveriam ler aquilo que é lido por adultos, não havendo qualquer razão para a existência de uma literatura dedicada aos mais novos. É o critério da arte que deve prevalecer, não o da idade. “As crianças devem receber apenas aquilo que também seja adequado para adultos. Andersen, A Fragata Pallada, Gogol, são facilmente lidos tanto por crianças como por adultos. Não se devem escrever livros para crianças, mas sim saber escolher, entre o que foi escrito para adultos, aquilo que lhes pode ser dado — ou seja, verdadeiras obras de arte.” Resumindo, não há necessidade de inventar um tipo especial de literatura. O que é preciso é saber escolher.» (Afonso Cruz, Acabar com a literatura para crianças, SAPO)
Tal como acontece com a filosofia para crianças, que poderia chamar-se apenas filosofia, também a literatura infantil poderia apenas chamar-se literatura. Assim, o livro O Labirinto dos Sentidos deixaria de ser arrumado na secção infantil das bibliotecas ou das livrarias e estaria algures na secção da filosofia ou da neurociência.
Neste livro, Laura Luz Silva propõe-nos uma viagem pelo País das Maravilhas dos Sentidos. Tal como a Alice de Lewis Carrol, a Alma de Laura é convidada a fazer uma viagem inesperada. Nessa viagem encontra animais que têm sentidos muito apurados; por exemplo: uma coruja que vê muito melhor no escuro do que o ser humano comum e um cão (que poderia ser o meu Félix) que tem um olfacto muito mais apurado do que o ser humano comum.
Na linha do trabalho de Thomas Nagel, que pergunta como é ser um morcego?, apetece perguntar: como é ser uma coruja? Como é ser um cão? Até porque talvez não estejamos assim tão longe de um cenário de ver tão bem quanto uma coruja ou cheirar tão bem como um cão. Ou ainda melhor.
Neil Harbisson é um ciborgue que vive com um dispositivo, uma antena, que lhe permite sentir mais cores do que o ser humano comum. Neil convida as pessoas a fazer updates ao seu corpo, da mesma forma que actualizamos um dispositivo como o smartphone.
O Labirinto dos Sentidos presenteia-nos com uma narrativa que informa sobre os sentidos e a forma como estes são trabalhados pela nossa mente.
É um livro que conta uma história e que informa.
A autora assume um compromisso com a verdade científica e convida as pessoas leitoras a saber mais sobre a forma como o nosso cérebro trabalha aquilo que nos chega pelos sentidos. É importante que livros como este existam e que sejam lidos por crianças, jovens e pessoas adultas.
Ler este livro lembra-nos que o ser humano é um ser vulnerável e vive cheio de dúvidas.
Citando a autora, nós, os seres humanos “não somos os melhores a tudo.” Precisamos pôr em prática o sentido da humildade, enquanto espécie que habita o planeta Terra.
Texto publicado no blogue Filocriatividade a 28 de maio de 2025.
Pode consultar também o guia de exploração desenvolvido por Joana Rita Sousa com sugestões para Parar, Pensar, Escutar e Dialogar a partir daquilo que o livro O Labirinto dos Sentidos nos sugere.