«É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. […] Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios — na língua principalmente —, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer.»
Há livros que desviam para sempre o curso de uma literatura inteira. Não o fazem sozinhos – ora ecoam as vanguardas da sua época, ora rasgam preceitos vigentes; em casos mais raros, antecipam um certo futuro. É assim com Perto do coração selvagem, romance de estreia de Clarice Lispector. Publicado no ano em que a escritora completou 23 anos, conta a história de Joana: desde a infância marcada pela morte do pai e pela solidão do colégio interno, até à idade adulta, com um casamento longe do sonhado, a maternidade, a paixão por um homem enigmático e, por fim, uma inevitável dispersão do eu, da identidade, do rumo da vida.
Joana é uma mulher supremamente livre, não confinável aos limites do seu tempo, indisponível para conter a sua voz, o seu pensamento ou o seu desejo vital, determinada a não dar passos que não sejam os seus rumo ao coração da existência. Enquanto acedemos à intimidade desta criação de Clarice – por entre admiráveis epifanias e monólogos interiores – chegamos mais perto da genialidade da sua criadora.
Dialogando, mesmo se inadvertidamente, com Virginia Woolf, Hermann Hesse ou James Joyce, na reflexão sobre as inquietações da modernidade, este romance subsiste como um clarão na literatura em língua portuguesa, valendo a Clarice Lispector toda a admiração dos leitores, da crítica e dos pares.
Os elogios da crítica:
«A leitura deste romance confronta-nos com o que sabemos sobre nós próprios e com o quanto fingimos não saber. […] Pegue no livro. Pegue no lápis. Encontre as frases, para não se esquecer de que a felicidade nunca é dada por ninguém a não ser por nós mesmos.»
Susana Moreira Marques