21 de maio de 2019, terça-feira. Depois da reunião do júri, na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro, era anunciada a atribuição do Prémio Camões daquele ano ao autor e cantor Chico Buarque, já galardoado à época com dois prémios Jabuti – pelos livros Leite Derramado (que também venceria o Portugal Telecom de Literatura) e Budapeste.
Apesar da preponderância da música na sua obra, Chico Buarque estreou-se com o romance Estorvo, em 1991, e tem uma reputação mais do que sólida na escrita de ficção, percurso que lhe permitiria, por exemplo, ser candidato natural ao Prémio Nobel de Literatura, sobretudo depois do exemplo Bob Dylan, que veio abalar o status quo deste meio. No entanto, Academia Sueca à parte, o prémio Camões foi suficiente para alimentar enredos políticos, jogos de bastidores, alguma acrimónia e um desenlace em aberto. Pelo menos até este mês de abril de 2023, altura em que o galardão deverá ser entregue ao seu legítimo vencedor… quase quatro anos depois do anúncio original. Isto porquê?
O fator #Mito
O Prémio Camões de Literatura em língua portuguesa foi criado por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento literário e cultural da língua comum”. Este prémio teve como primeiro vencedor o incontornável Miguel Torga e, exceção feita à recusa de Luandino Vieira em 2006 – autor avesso a honrarias, prémios e aparições públicas –, e ao discurso de aceitação muito crítico e político de Raduan Nassar em 2017, este em sido um justo momento de consagração literária, sem questões laterais ou outro tipo de implicações sociopolíticas. No entanto, aquando do anúncio do prémio, ficámos a saber que Chico Buarque não iria recebê-lo no tempo próprio, uma vez que o então presidente da república brasileira, Jair Bolsonaro, se recusou a assinar o documento que certifica a distinção, afirmando que tal gesto não estava na sua lista de prioridades. “Até 31 de dezembro de 2026 eu assino”, afirmou então Bolsonaro, referindo-se ao termo de um hipotético segundo mandato à frente dos destinos do Brasil. Algo que agora não se coloca, dada a vitória de Lula da Silva no último outono, no confronto com o então incumbente. Confrontado com a demora de Bolsonaro em 2019, Chico Buarque afirmou que a recusa em assinar era como a atribuição de um “segundo Prémio Camões”.
24 de abril de 2023, epílogo
Chico Buarque, que depois da atribuição do prémio já publicou o romance Essa Gente (Companhia das Letras, 2019), vem agora a Portugal para receber das mãos de Lula da Silva, o novo presidente do Brasil em funções, e de Marcelo Rebelo de Sousa, Chefe de Estado português, a distinção há muito devida. A cerimónia terá então lugar no Palácio Nacional de Queluz, no dia 24 de abril, no âmbito da visita oficial de Lula a Portugal, três meses depois de tomar posse como presidente. Em 2019, aquando da revelação do vencedor daquele ano, foram reconhecidas pelo júri a qualidade e a transversalidade da obra de Chico Buarque, o qual irá entrar finalmente, e de forma oficial, para uma galeria onde, além de Miguel Torga, podemos encontrar nomes como Jorge amado, Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner, José Saramago ou Pepetela. Será uma forma de terminar o Estorvo deste processo e de deixar para trás o Leite Derramado. Por vezes, na melhor Literatura, também temos direito a um final feliz.
Livros de Chico Buarque disponíveis na Companhia das Letras