Num mundo cada vez mais digital e uniformizado, as livrarias e livreiros independentes são uma espécie de ilhas do tesouro. Espaços de curadoria literária, trazem recomendações personalizadas a cada leitor e permitem fortalecer um sentimento de comunidade.
Começou em 1975, como Livraria Muro, na cave de uma galeria, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Um lugar de resistência política, que abrigava performances dos poetas da chamada ‘poesia marginal’ e livros de oposição ao regime militar. Desde então, são já 13 livrarias espalhadas pelo Brasil. Em 2019, cruzou o Atlântico e instalou-se na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Fomos à Livraria da Travessa conversar com a livreira Marília.
Como é que os livros entraram na sua vida?
Entraram num momento bem interessante, porque eu era recém-formada. Trabalhava numa galeria de arte no Rio de Janeiro e estava muito farta do ambiente de trabalho. Eu tinha enviado um currículo para a Travessa quando estava na faculdade, anos antes. Não sei o que aconteceu, mas, na semana em que pedi demissão dessa galeria, eles me mandaram um e-mail perguntando se eu ainda tinha interesse na vaga. Meu Deus! Que loucura! Não era exatamente o que eu queria, mas fui lá para ver…. e nunca mais saí. No ano que vem, já vai fazer dez anos que trabalho na Travessa.
E como é que, depois, veio aqui para Portugal, trabalhar na Travessa?
Aqui foi um outro momento, não vim como uma transferência do Brasil nem nada. Decidi, junto com meu companheiro, vir para Portugal, porque ele tem família cá. Quando cheguei, vim aqui na livraria e falei, ‘ah, vocês não estão precisando de uma livreira?’ E, por acaso, eles estavam com uma vaga aberta. Foi tudo muito orgânico. Foi muita sorte.
Essa também é a graça da livraria. No Brasil, a Travessa já é bem grande, mas ainda tem esse ar de livraria familiar. Então, sempre consegui fazer muitas atividades diferentes dentro da livraria. Sempre tive muito espaço para fazer coisas. Aqui, fico mais com essa parte dos eventos, mas já fiz de tudo um pouquinho.
Algum projeto especial?
Aqui em Portugal, nem tanto, mas, no Brasil, foram muitos. Eu não sou do Rio de Janeiro, mas trabalhava na Travessa no Rio e morava na minha cidade, Niterói. Muitos anos depois, abrimos uma livraria em Niterói. Participar nesse projeto de montagem de uma loja, no sítio onde eu vivia, que eu conhecia tão bem, foi uma das coisas mais interessantes. Fiquei bem agradada.
Porquê trazer uma livraria brasileira para Portugal?
O principal motivo é trazer um pouco do mercado editorial brasileiro para cá. Primeiro, porque nós compartilhamos a língua, então faz todo sentido estar aqui. Depois, por uma questão de escala; o Brasil publica muitos livros que talvez não existam aqui. E também há interesse pela literatura brasileira aqui, por parte dos portugueses. Acho que funciona um pouco nos dois sentidos, porque existem muitos brasileiros a viver cá, que gostam de ver a livraria e acabam tendo contacto com as publicações portuguesas. Então, não funciona só de lá para cá, mas também para quem está aqui, que conhece o mercado.
Como é ter uma livraria independente nesta zona da cidade que é tão turística, e que o é cada vez mais?
Acho que nós acabamos por ser um pouco privilegiados por sermos a livraria brasileira. Também somos vistos um pouco como os estrangeiros, aqui em Portugal, apesar de ter a mesma língua e tudo mais. Isso moldou bastante o nosso acervo, porque, a princípio, a iniciativa era trazer livros do Brasil, dar a conhecer as edições brasileiras em Portugal e ter contato com esse público brasileiro que vive cá. Mas agora nós acabamos expandindo muito para outras línguas. Temos uma sala que só tem praticamente línguas estrangeiras. Tem muitos franceses, muitos ingleses aqui. Acho que esta localização acabou multifacetando um pouco a livraria. Dependendo da época do ano, nós só temos clientes falando outras línguas que não português. Foi uma coisa mais orgânica, que acabou caracterizando bastante a livraria.
E a propósito também da localização, que outro negócio independente é que recomendaria aqui na vizinhança?
Se for no sentido de livraria, temos a Snob aqui muito perto, que é sempre um bom lugar. Eu adoro as edições deles. Se formos para os cafés, a Bettina Corrallo. Eles são ótimos. Um livro e um chocolate. Acho que seria o melhor por aqui.
Se não fosse livreira, o que seria?
Na verdade, eu sou formada em museologia. Trabalhei em museus antes de ir para a livraria. Mas acho que, se não fossem os livros no sentido de livraria, seria nas bibliotecas. Com certeza. Acho que não sairia de perto de livros.
Que livros da Penguin é que costumam recomendar mais?
Eu recomendo Mulher, Vida, Liberdade, de Marjane Satrapi. É uma artista que marcou a minha vida com seus próprios trabalhos e que conseguiu reunir com absoluta genialidade neste volume histórias de diversos artistas que expressam com força e violência o desejo de todo ser humano em ser livre e a absoluta brutalidade que é ter os nossos direitos de existir negados. Uma leitura muito dura, mas necessária.
Recolhi, também, algumas escolhas de cada livreiro, que estão sempre a recomendar os vossos livros:
Patrícia: Bambino a Roma, um livro ironicamente inteligente. Um relato pessoal sobre uma parte que desconhecíamos da vida de Chico Buarque e escrito com uma sensibilidade que nos captura até a última página.
Vasco: A Ponte sobre o Drina, um livro essencial para os tempos que vivemos sobre o encontro de culturas e religiões diferentes num único espaço/tempo.
Mercês: Sábado. Os livros infantis são muito eficazes em fazer chegar uma mensagem tanto a miúdos como a graúdos. Sábado, de Oge Mora não é exceção! Encanta-nos logo com o seu estilo de ilustração e a rotina que mãe e filha mantém. Ajuda a percebermos que nem sempre as coisas correm como esperado e umas nuvens cinzentas podem surgir, mas e se em vez de ficar a apanhar chuva, dançarmos nela?
Maria Gabriela: Em tudo havia beleza, um relato íntimo e comovente de uma redenção, conseguida através da escrita e da revisitação da memória pessoal.
Olive Kitteridge, Profundamente existencialista, este livro leva-nos a dar um mergulho no oceano da complexidade humana e a perguntarmo-nos quão fiéis somos aos nossos próprios valores.
Giovana: Quem matou meu pai. Uma feroz denúncia social sobre desigualdades de classe, explorando a vida do pai e a responsabilidade da sociedade e do sistema político na sua destruição.
Durante o mês de outubro, os leitores podem contar com 10% de desconto em qualquer livro da Penguin Random House Portugal comprado na Livraria da Travessa!
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Dia 10 de outubro, às 18h00, Carmen Maria Machado estará presente na livraria Travessa, para uma conversa com Susana Moreira Marques. Já dia 24, às 18h30, o autor Alex Couto lança o seu novo livro, Os Periquitos Somos Nós.